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Ao menos 8% das espécies animais da Mata Atlântica estão sob algum grau de ameaça de extinção

Ao menos 8% das espécies animais da Mata Atlântica estão sob algum grau de ameaça de extinção

Dados são de programa do ICMBio, que tem por objetivo facilitar a gestão do processo de avaliação do risco de extinção e tornar essas informações mais acessíveis

Com 6.498 espécies animais catalogadas, das quais 2.001 endêmicas, a Mata Atlântica é um dos biomas mais biodiversos do planeta. Mas também um dos mais ameaçados. Das 1.253 espécies da Lista de Fauna Ameaçada Vigente no Brasil, 507 estão nela (7,8%), sendo que 328 são exclusivas. Atualmente, na categoria Criticamente em Perigo (CR), há 183 dentro do bioma, 95% delas são endêmicas, ou seja, quase duas centenas de espécies que só ocorrem em sua área de abrangência estão classificadas na categoria de maior ameaça existente.

Os dados são do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (SALVE), lançado em agosto pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Trata-se de uma plataforma online, que reúne mais de 14,7 mil espécies avaliadas quanto a seu risco de extinção. Desse total, 5.513 possuem ficha publicada, entre as quais as 1.253 estão em alguma categoria de ameaça.

De acordo com o ICMBio, um dos primeiros objetivos do SALVE “é facilitar a gestão do processo de avaliação do risco de extinção e tornar essas informações mais acessíveis, contribuindo para a geração de conhecimento e implementação de políticas públicas voltadas à conservação da biodiversidade”.

Segundo o biólogo Eduardo Marques Santos Junior, analista ambiental do ICMBio, os principais fatores responsáveis pela perda de biodiversidade da Mata Atlântica são a destruição, fragmentação e a degradação do hábitat promovida por ações humanas. A floresta está reduzida a apenas 23% da cobertura original e a vegetação natural remanescente a 40%. “A maior parte dessa vegetação é distribuída em pequenos fragmentos”, explica. “Estima-se que aproximadamente 97% deles têm menos de 50 hectares.”

Uma análise realizada entre 1986 e 2020, por meio de imagens de satélite, deixou claro que apesar de ter havido um acréscimo percentual na área de cobertura florestal, os fragmentos maiores (mais de 25.000 ha) diminuíram. Ou seja, a Mata Atlântica continua sob forte pressão quanto ao uso do solo, o que se traduz em um quadro de aumento das ameaças às espécies.

Segundo Santos, esse cenário de drástica redução de hábitat, associado à fragmentação da vegetação remanescente, combinado ao fator de a maioria da população brasileira viver e produzir nesse bioma, permanece sendo o pior para garantir a sobrevivência das espécies mais exigentes por espaços não perturbados.

De acordo com ele, é difícil fazer um ranking das espécies mais ameaçadas, porque, no processo de avaliação do risco de extinção da fauna brasileira, é usada a metodologia da International Union for Conservation of Nature (IUCN), na qual são observados parâmetros sobre tamanho, flutuações e declínio populacional, fragmentação de hábitat, extensão da distribuição geográfica, a área de ocupação efetiva de cada uma, ameaças, além de medidas de conservação já existentes. “A partir destes critérios, as espécies são classificadas dentre as 11 categorias de ameaças estabelecidas”, explica.

Apesar disso, o analista ambiental do ICMBio destaca algumas delas. É o caso do pássaro lenheiro-da-serra-do-cipó (Asthenes luizae), endêmico de Minas Gerais, ocorrendo nos biomas Mata Atlântica e Cerrado, em afloramentos rochosos acima de 1.000 m, nas porções sul e central da Cadeia do Espinhaço. Apesar de registrada em diversas unidades de conservação, um estudo de Análise de Viabilidade Populacional (PVA) indicou probabilidade de extinção na natureza de pelo menos 20% em 20 anos (cinco gerações). Com isso, a ave passou da categoria de Dados Insuficientes para Vulnerável.

No bioma, também há casos de espécies extintas na natureza, como é o caso do mutum-do-nordeste (Pauxi mitu). “Essa ave tinha sua distribuição no centro de endemismo Pernambuco, com registros confirmados apenas no estado de Alagoas”, conta Santos. “Atualmente, não há dúvida da sua extinção na natureza, pois todas as áreas de potencial ocorrência foram exaustivamente pesquisadas ao longo de décadas. A população da espécie atualmente se restringe a 108 indivíduos puros em cativeiro. Existem planos de se realizar a reintrodução da espécie na natureza, iniciativa que se tiver sucesso pode reverter a sua extinção.”

Imagem do mutum-do-nordeste feita no século XIX por Nicolas Huet le Jeune. — Foto: WikemediaCommons
Imagem do mutum-do-nordeste feita no século XIX por Nicolas Huet le Jeune. — Foto: WikemediaCommons

Há ainda aqueles animais que já foram completamente extintos. Um exemplo e a perereca-gladiadora-de-sino (Boana cymbalum). “A espécie era endêmica do Brasil, do bioma Mata Atlântica, e conhecida apenas de duas localidades no estado de São Paulo, uma na Estação Ferroviária de Campo Grande (Serra de Paranapiacaba), no município de Santo André, e outro da Vila Nova Manchester, na cidade de São Paulo”, diz Santos. “O local desse último registro foi transformado em estacionamento.”

Embora de grande porte e com vocalização muito característica, a espécie não é registrada desde 1962, apesar de dezenas de expedições terem sido realizadas nos últimos anos na região onde foi encontrada, por diferentes pesquisadores experientes. Sua extinção se deve provavelmente ao fato de que seu ambiente original foi altamente afetado pelo crescimento urbano e a intensa poluição industrial. Além disso, houve perda de área florestal ao longo de muitos anos, o que ainda persiste.

Mas nem tudo é má notícia para as espécies da Mata Atlântica. Algumas melhoram seu status, seja por ações concretas e genuínas ou por maior conhecimento gerado por meio de estudos. A onça-parda ou suçuarana (Puma concolor), por exemplo, passou da categoria Vulnerável (VU) na avaliação de Nacional de 2011 para Quase Ameaçada (NT) em 2019. “Esse resultado se deve ao aumento do conhecimento sobre a espécie, tendo havido um investimento em pesquisa aplicada nos últimos anos”, explica Santos. “Atualmente, sabe se que ela tem ampla distribuição em todos os biomas, podendo ocupar áreas abertas, inclusive com certo grau de antropização.”

Onça parda — Foto: WikimediaCommons
Onça parda — Foto: WikimediaCommons

O mutum-de-bico-vermelho ou mutum-do-sudeste (Crax blumenbachii) também é um exemplo de espécie que teve sua categoria de ameaça melhorada, já que saiu da Criticamente em Perigo (CR) para Em Perígo (EN), embora permaneça ameaçada. Com distribuição original na Mata Atlântica de baixada desde o sul da Bahia até o Rio de Janeiro, atualmente essa ave ocupa, exclusivamente, matas primárias ou em avançado estado de regeneração e está restrita a fragmentos florestais isolados baianos e no Espírito Santo.

O esforço de reintrodução da espécie foi realizado nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, que possuíam apenas registros históricos. Hoje, infere-se que haja menos de 2.500 indivíduos maduros e que cada subpopulação apresenta menos 250 espécimes nessa condição. “Apesar da melhora de categoria, o declínio populacional continua, devido à caça e à perda de habitat”, ressalva Santos.