Amazônia está passando por um rápido e “alarmante” aumento dos eventos climáticos extremos

Região centro-norte da Amazônia, antes vista como menos vulnerável, já enfrenta impactos crescentes das mudanças climáticas
Um novo relatório, lançado poucas semanas antes da COP 30, a primeira a ser realizada na Pan-Amazônia, aponta que a região está passando por um rápido crescimento de temperaturas extremas e estresse hídrico – com 10% da bacia testemunhando aumentos nas temperaturas de pelo menos 0,77 °C por década e mais de 3,31 °C desde 1981. A descoberta faz parte dos resultados de um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Lancaster e envolvendo uma equipe internacional de mais de 50 cientistas, com o apoio da WWF-UK.
O relatório fornece uma avaliação abrangente e atualizada das mudanças climáticas na Amazônia, ao longo de mais de quatro décadas e em alta resolução para todo o bioma. Os resultados revelam que a média dos extremos climáticos na Amazônia tem se agravado cada vez mais nos últimos 43 anos. Essas mudanças não são aparentes nas avaliações das temperaturas médias, que estão aumentando 0,21 °C por década e estão em linha com o aquecimento médio global.
Os cientistas temem que, se esses aumentos rápidos na incidência de eventos climáticos extremos continuarem, isso possa colocar a Amazônia em risco, ultrapassando limites críticos.
Ao dividir a Amazônia em células de 11 km e usar dados de alta resolução sobre temperatura e precipitação, provenientes de fontes que combinam informações de satélites e estações meteorológicas locais, os pesquisadores conseguiram identificar as estações secas para cada área individual da Amazônia.
Usando isso, bem como uma nova medida do déficit hídrico que leva em conta os efeitos da temperatura na perda de água, os pesquisadores modelaram as mudanças de temperatura e o estresse hídrico em toda a Amazônia de 1981 a 2023. A temperatura e o déficit hídrico foram registrados como médias da estação seca ou de todo o ano hidrológico (estações seca e chuvosa combinadas).
A taxa de mudança climática foi avaliada de duas maneiras. Primeiro, os autores utilizaram a tendência central, a medida mais comum usada atualmente, que enfatiza as taxas médias de mudança de temperatura e déficit hídrico ao longo de todos os anos. Em segundo lugar, os pesquisadores aplicaram a tendência extrema, que enfatiza os anos mais excepcionais. Isso, portanto, fornece uma indicação mais precisa das mudanças nos períodos mais quentes ou mais secos.
“Estamos mais interessados no período quente e seco, pois é quando os danos causados pelas altas temperaturas podem ser maiores”, disse o professor Jos Barlow, da Universidade de Lancaster e principal autor do relatório. “Embora isso tenha sido avaliado na Amazônia Meridional, que compartilha uma estação seca bastante semelhante, nunca foi avaliado em toda a Amazônia – que inclui regiões ao norte do Equador que são úmidas quando o Sul está seco e vice-versa.”
A Amazônia Sul, que sofreu um desmatamento significativo e mudanças no uso da terra, é confirmada como a região que mais se aquece quando se analisa as mudanças na temperatura média. No entanto, o centro-norte da Amazônia é identificado como a região que apresenta o crescimento mais rápido em termos de extremos climáticos.
“As taxas de mudança nos extremos climáticos são muito mais altas do que as taxas de mudança do clima médio na Amazônia, e as regiões mais afetadas também são diferentes para extremos e clima médio”, disse a Dra. Nathália Carvalho, pesquisadora com pós-doutorado no Lancaster Environment Centre. “Isso é importante porque mostramos que o clima da Amazônia não está mudando uniformemente. Essas informações serão cruciais no planejamento e na implementação de estratégias de adaptação às mudanças climáticas.”
O professor Barlow disse: “O clima extremo é uma preocupação primordial, contribuindo para incêndios florestais, níveis excepcionais nos rios, poluição do ar e altas temperaturas que podem prejudicar as pessoas, os animais e as árvores da floresta. As taxas de mudança que estamos vendo nas regiões mais afetadas são alarmantes”.
“A informação que a área que está passando pelo crescimento mais rápido de aumentos extremos de temperatura está longe do Arco de Desmatamento. Esses aumentos rápidos não podem ser explicados por mudanças locais, como o desmatamento e as mudanças no uso da terra, o que mostra como a Amazônia está sendo afetada pelas mudanças climáticas globais. São as emissões mundiais as responsáveis por isso”, completa o professor Barlow.
“Um dos aspectos mais graves para povos e comunidades tradicionais da região central e norte da Amazônia (locais com menos desmatamento) é que manter a floresta em pé em seus territórios não é suficiente para evitar a exposição aos extremos climáticos. As secas consecutivas de 2023 e 2024, trouxeram falta de pesca, remédios, e pasmem, água de qualidade”, declara Helga Correa, especialista em Conservação do WWF-Brasil.
Há evidências de que os extremos climáticos estão afetando a região, incluindo a primeira morte em massa observada de mamíferos na Amazônia, onde preguiças e outros mamíferos foram encontrados no chão da floresta ou pendurados mortos em árvores, reduções no tamanho das populações de aves e mudanças em sua expectativa de vida, aparência e comportamento. A região também sofreu extensos incêndios florestais, com o calor extremo e a seca contribuindo para a poluição do ar na cidade amazônica de Manaus, e o ressecamento dos rios afetou a saúde das pessoas que vivem nas florestas.
A Dra. Joice Ferreira, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), destaca as preocupações sociais: “Os eventos climáticos extremos estão impactando os meios de subsistência locais de várias maneiras como, por exemplo, o açaí. Isso remove a rede de segurança que as florestas proporcionam, ameaçando a segurança alimentar e enfraquecendo seu papel em uma socioeconomia em crescimento. O mais preocupante é que isso pode prejudicar as políticas públicas, que, atualmente, estão sendo elaboradas e implementadas pelos governos federal e estaduais para promover uma transformação positiva na região, por meio de planos de restauração florestal. Esse cenário exige uma ação global para deter as mudanças climáticas em nome da justiça climática.”
O professor Barlow acrescentou: “São necessárias medidas de adaptação urgentes para lidar com os impactos dessas mudanças climáticas extremas, incluindo a prevenção de fatores que amplificam os riscos climáticos, como o desmatamento. Também precisamos adotar medidas para apoiar o combate a incêndios florestais, bem como apoiar as populações locais quando os rios dos quais dependem para navegação secam.”
Para o Dr. Mike Barrett, consultor científico chefe da WWF-UK: “O rápido aumento dos eventos climáticos extremos revelado neste relatório destaca a necessidade urgente da COP30 tomar medidas globais contra as mudanças climáticas. No entanto, as novas regiões de risco também demonstram a necessidade de apoiar outras medidas, incluindo o fim do desmatamento.”