“Agricultura inteligente para um planeta em chamas”: uma conversa com Dhanush Dinesh, fundador da Clim-Eat
Em um mundo que precisa alimentar mais de 8 bilhões de pessoas em plena era de emergência climática, pensar agricultura e clima deixou de ser uma escolha — é requisito de sobrevivência. É exatamente nessa encruzilhada histórica que atua Dhanush Dinesh, fundador e Chief Climate Catalyst da organização internacional Clim-Eat, uma plataforma que trabalha para acelerar soluções climáticas para sistemas alimentares.
Com nove Conferências do Clima no currículo, Dinesh chega ao Brasil para participar da CSA Conference em Brasília, encontro que reúne cientistas, formuladores de políticas públicas e investidores para construir propostas concretas que serão levadas à COP30, em Belém, no coração da Amazônia.
Nesta entrevista, concedida com exclusividade ao Neo Mondo, Dinesh provoca, entusiasma e alerta: o tempo do discurso acabou. A hora é de implementar soluções práticas, tecnológicas e escaláveis, capazes de reduzir emissões sem comprometer a segurança alimentar. Ele cita como exemplos: fertilizantes de baixo carbono, culturas mais resistentes ao calor e aditivos capazes de diminuir as emissões de metano do gado.
Segundo ele, o Brasil pode liderar essa transformação global.
“O país tem Ciência, tem escala, tem protagonismo geopolítico. Falta transformar ambição em movimento”, ele costuma dizer em eventos internacionais — e agora repete em solo brasileiro pela primeira vez, nesta que é sua primeira entrevista desde sua chegada ao país.
A seguir, os melhores trechos da conversa.
Você tem afirmado que o debate climático no agro precisa superar as teorias e entrar em uma fase de soluções concretas e escaláveis. Para você, qual é hoje o maior obstáculo global para transformar conhecimento em ação de impacto real?
No momento, o maior obstáculo para transformar o conhecimento sobre agricultura climaticamente inteligente em ação é a diminuição da liderança política. Com os EUA se retirando do Acordo de Paris e outros países também ameaçando fazer o mesmo, há uma ausência de liderança nas questões relacionadas às mudanças climáticas. É também nesse ponto que o Brasil e outros países do BRICS podem oferecer uma nova liderança para essa questão.
A Clim-Eat atua como catalisadora de inovação climática dentro dos sistemas alimentares. Quando você observa o Brasil — sua capacidade agrícola, biodiversidade e ecossistema de pesquisa — onde enxerga as maiores oportunidades para que o país se torne, de fato, um líder mundial em agricultura climaticamente inteligente?
O Brasil é um dos maiores investidores públicos do mundo em pesquisa agrícola, e a Embrapa desempenha um papel importante. A abordagem adotada pelo Brasil para aplicar a pesquisa na prática oferece exemplos para outros países em desenvolvimento. Além disso, a transferência de conhecimento e tecnologia da pesquisa e inovação brasileiras também pode ajudar outros países em desenvolvimento e posicionar o Brasil como líder global em pesquisa e na execução.
Entre as tecnologias e práticas emergentes, como fertilizantes de baixo carbono, aditivos para redução das emissões do gado e culturas mais resistentes ao calor, qual dessas frentes você acredita que terá maior adoção nos próximos cinco anos, e por quê?
Em todas essas três áreas, existem tecnologias e práticas prontas para serem escaladas. Qual delas levará à maior adoção? Dependerá da liderança política e dos investimentos. Na COP30, o Brasil e o Reino Unido estão lançando o compromisso com fertilizantes, que espero que impulsione os investimentos em fertilizantes de baixo carbono.
Você já participou de nove Conferências do Clima. Se pudesse resumir a trajetória de todas elas em uma imagem, uma cena ou metáfora, qual seria e por quê?
Tem sido uma montanha-russa: você alimenta suas esperanças com promessas e sinais, mas, em cada edição, o resultado tem sido decepcionante, o que causa uma enorme desilusão. O envolvimento contínuo nas COPs requer perseverança e capacidade de resistir a esses altos e baixos.
Seu trabalho envolve viajar, dialogar com comunidades rurais, cientistas, investidores e líderes globais. Qual foi o encontro mais inesperado ou inspirador que já transformou sua visão sobre comida e clima?
Muitas vezes, em discussões globais, discutimos sobre qual termo é o correto, qual conceito é mais preciso… Mas ao visitar fazendas, frequentemente percebo que essas são divisões artificiais, relevantes apenas em salas de conferência. Na fazenda, por exemplo, um agricultor pode estar praticando agrossilvicultura, e não se importa como isso é definido conceitualmente, desde que ele se beneficie dessa prática.
Há grupos que defendem que a agricultura regenerativa e de baixa emissão pode ser instrumentalizada pelo agronegócio como uma forma de greenwashing sofisticado, preservando um modelo de exploração em larga escala. Como você responde a esse tipo de crítica?
É um argumento válido, pois temos visto tentativas de greenwashing por parte de empresas em diferentes termos, mas esse debate não deve ser motivo para a inação, pois esse risco não desaparecerá. Cabe às ONGs e aos pesquisadores oferecer críticas construtivas, mas também avaliar o cumprimento efetivo dos compromissos e expor o greenwashing de maneira científica.
Uma parte significativa das emissões agropecuárias está ligada à pecuária bovina. Você acredita que o mundo conseguirá enfrentar a crise climática sem repensar profundamente a escala do consumo de carne — inclusive no Brasil, onde o tema costuma ser sensível?
É um tema altamente sensível, mas depende da perspectiva com que abordamos o assunto. Não defendemos a interrupção do consumo de carne, pois as pessoas continuarão a consumi-la por motivos culturais, nutricionais ou de sabor, mas se conseguirmos combater o consumo excessivo de carne e garantir dietas equilibradas, isso ajudará, em termos globais, a gerir o consumo e também a desenvolver estilos de vida mais saudáveis e a reduzir os custos associados.
O futuro da comida já está em disputa
À medida que a COP30 se aproxima do seu final, conversas como esta ajudam a iluminar um ponto crucial: o debate sobre o clima não está apenas nas geleiras, nos oceanos ou nas metas internacionais — ele está também no prato de cada pessoa.
A transição para uma agricultura climaticamente inteligente não é um desafio tecnológico apenas: é cultural, econômico, geopolítico e civilizatório. Exige coragem para inovar, generosidade para cooperar e lucidez para entender que o alimento é o primeiro elo da paz com a Terra.
Se Dhanush Dinesh estiver certo, o Brasil tem diante de si não apenas uma responsabilidade, mas um destino possível: se tornar o líder planetário da agricultura regenerativa, justa e de baixas emissões.
E, como sempre lembramos aqui no Neo Mondo, o futuro não está escrito — está sendo plantado.

