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Ação humana prejudica migração de tartarugas-marinhas

Ação humana prejudica migração de tartarugas-marinhas

Por milhões de anos, inúmeras tartarugas-marinhas navegaram pelos oceanos, migrando por extensas distâncias entre locais de alimentação e praias natais de nidificação. Mas hoje, essas viagens longas expõem-nas a impactos antropogênicos prejudiciais e a mudanças ambientais disruptivas. E apesar dos esforços mundiais de conservação, todas as espécies de tartarugas dos sete mares estão ameaçadas ou criticamente ameaçadas em níveis globais ou regionais.

O movimento em massa dessas, e outros animais, por terra, mar ou ar, representa um dos ritmos mais antigos da Terra e uma das suas maiores maravilhas. Essas migrações também entrelaçam tendências vitais que fortalecem a estrutura do ecossistema.

Agora, por várias razões – incluindo riscos físicos provindos de humanos, mudança climática, poluição, perda de habitat, e outras mais – o tecido desgastado dessas eco estruturas globais estão se desfazendo rapidamente. As espécies estão desaparecendo em níveis sem precedentes e a perda de biodiversidade está constantemente mudando os sistemas naturais, impondo impactos adversos aos migrantes do mundo.

A pergunta do momento é: as tartarugas-marinhas, as pessoas e as estratégias de conservação podem evoluir rápido o suficiente para proteger as migrações magníficas e os animais que participam delas?

Atravessar fronteiras planetárias apresenta diversas ameaças

A biodiversidade é apenas uma das nove fronteiras planetárias que permite um “espaço operacional seguro para a humanidade”, segundo uma equipe interdisciplinar de cientistas reunida pelo Centro de Resiliência de Estocolmo. As outras oito fronteiras que a humanidade deve evitar ultrapassar são a mudança climática, acidificação do oceano, mudança do sistema terrestre, uso de água doce, destruição do ozônio estratosférico, poluição da atmosfera por aerossol, fluxos bioquímicos (desequilíbrio nos ciclos de nitrogênio e fósforo), e o impacto de entidades novas (como produtos químicos, materiais de engenharia ou organismos).

A humanidade já rompeu as “fronteiras fundamentais” da perda da biodiversidade e da mudança climática, e passou dos limites quanto aos fluxos bioquímicos e a mudança do sistema terrestre. Enquanto a ultrapassagem de apenas uma das fronteiras fundamentais poderia desestabilizar completamente o sistema da Terra que sustenta a humanidade, atravessar qualquer uma das fronteiras também pode levar à desestabilização de outras – causando um efeito dominó. Nas próximas décadas, as ações humanas colocarão mais de 1 milhão de espécies de plantas e animais em risco de extinção, segundo o relatório de 2019 da Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPES).

“A biodiversidade e a contribuição da natureza às pessoas são nossa herança comum e o ‘porto seguro’ de suporte à vida mais importante da humanidade”, disse Sandra Díaz, uma ecologista argentina que foi co-presidente da IPES em 2019. “Mas nosso porto seguro está quase rompendo seu limite”.

As tartarugas estão em risco adicional devido à ultrapassagem de fronteiras

As tartarugas-marinhas têm uma posição tênue e nada invejável no escopo da fronteira planetária. O ciclo de vida delas requer uma passagem segura pelo mar e terra. A migração da tartaruga-de-couro, por exemplo, pode cruzar as fronteiras de mais de 30 países.

Enquanto a humanidade se aproxima rapidamente dos limites de mais fronteiras planetárias, ela coloca esses seres marinhos ainda mais em perigo. Se os esforços de conservação não puderem reverter a perda de tartarugas marinhas, a situação delas pode ser um anúncio da extinção de outras espécies migratórias, até mesmo a do maior migrante de todos: o Homo sapiens.

As ameaças ambientais mais conhecidas às tartarugas marinhas envolvem o limite planetário da biodiversidade (a pesca acidental e captura por humanos de ovos de tartaruga, por exemplo), e o limite da mudança do uso da terra (perda do habitat e/ou dos locais de nidificação).

Contudo, agora redefinidas dentro do contexto de outras transgressões humanas das fronteiras planetárias, as tartarugas enfrentam muitos outros novos perigos pouco compreendidos, além de perguntas sobre como a conservação pode ajudar.

Ataques a praias de nidificação

As tartarugas são mais avistadas por nós quando as fêmeas vêm à praia colocar seus ovos, e esse é o habitat delas mais estudado pela ciência. A mudança climática é uma fronteira planetária conhecida por alterar as praias nas quais as tartarugas fazem seus ninhos e passam um pequeno mas crítico período de suas vidas, apresentando diversos desafios existenciais. Por exemplo, devido ao fato do sexo das tartarugas marinhas ser dependente da temperatura, mais fêmeas estão chocando seus ovos à medida que o aquecimento global eleva as temperaturas nas praias de nidificação. Atualmente, a quantidade de fêmeas ultrapassa a de machos de três para um em vários locais no mundo.

“Mas como o aumento da quantidade de fêmeas está afetando as populações?” pergunta Mariana Fuentes, uma bióloga de conservação marinha da Universidade do Estado da Flórida. “Quantos machos são necessários para manter as populações? Não sabemos.”

Novas entidades, outra fronteira planetária, podem estar atuando sinergicamente com o aquecimento global para aumentar ainda mais a temperatura nas praias. Os microplásticos criados pelo homem, misturados com a areia da nidificação, podem elevar ainda mais a temperatura da areia, afirma Fuentes, que estuda a evolução do perfil térmico da areia.

Obviamente, todas as fêmeas necessitarão de praias de nidificação com ambientes incubadores ideais – um fator chave na resiliência das populações mundiais de tartarugas, acrescenta Fuentes. No entanto, outra fronteira, a mudança do uso da terra, está reduzindo a disponibilidade e adequação dos locais de nidificação. Conforme a mudança climática aumenta, tempestades mais frequentes e severas vão erodir mais praias, e os principais locais de nidificação poderão desaparecer. Concomitante, o aumento do nível do mar decorrente da mudança climática e a “blindagem” dos litorais com o desenvolvido humano, em especial muros para conter o avanço do mar, tornarão a nidificação mais complicada.

As tartarugas se adaptaram e se mudaram para novos locais de nidificação no passado, contudo conforme a humanidade aumenta os bloqueios de acesso às praias, existirão locais adequados o suficiente para que possam pôr os ovos?

Problemas no mar

As tartarugas-marinhas passam boa parte de suas vidas no mar. Nos oceanos, a acidificação está causando perdas danosas aos recifes de coral e desaparecendo com colônias de tartarugas-marinhas. Estudos preveem que a redução de espécies de recife mudarão a composição da areia nas praias, reduzindo potencialmente a incubação bem sucedida dos ovos. Além disso, o aumento da acidez marinha decorrente da emissão de carbono está levando algumas espécies de peixes a perderem o olfato, audição e a habilidade de formarem suas casas. Ninguém sabe ainda se as tartarugas podem ser afetadas da mesma maneira.

E, mesmo que estudos mostrem que as tartarugas ouvem melhor embaixo d’água, há poucos dados sobre como se comportam em relação a barulhos. Conforme as instalações de parques eólicos offshore se tornam mais comuns no combate à mudança climática, os perigos auditivos podem alterar as rotas de migração ou outros habitats importantes, afirmou Fuentes. Serão necessários estudos para descobrir isso.

Além do mais, os oceanos estão contaminados com diversos poluentes industriais. Essas novas entidades incluem poluentes orgânicos persistentes (POPs), tais como o bifenil policlorado (PCBs), pesticidas organoclorados, retardantes de chamas, entre outros tóxicos mais.

“Essas ameaças são invisíveis e difíceis de quantificar”, Jennifer Lynch comenta, uma bióloga pesquisadora afiliada ao Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA.

Enquanto isso, a indústria e a sociedade continuam a desbocar produtos químicos novos e antigos no mar, diz Lynch. Contudo, as tartarugas-marinhas doentes podem ser testadas para apenas algumas dúzias desses poluentes. Seria impossível testá-las para todos eles, por isso os poluentes desconhecidos são abundantes. “O nível de produtos químicos encontrados em uma tartaruga é uma dose tóxica?”, questiona Lynch. Provavelmente nunca saberemos porque ninguém faz testes toxicológicos nas tartarugas em perigo, ela diz. “Nunca estaremos à frente desses contaminantes.”

Até mesmo o impacto do derramamento de petróleo nas tartarugas-marinhas não é bem documentado. Uma revisão de mais de 2000 derramamentos de petróleo pelo mundo, no decorrer de 60 anos, mostrou que os efeitos em tartarugas-marinhas foram relatados em menos de 2% dos incidentes. E a maioria dos efeitos documentados estão relacionados ao dano externo do petróleo, não ao dano interno da exposição ao petróleo, muito menos do impacto do petróleo impregnado à areia da praia ou o efeito dos produtos químicos dispersantes usados na limpeza.

À medida que o transporte marítimo aumenta, novas fontes de combustível, tais como betume diluído, representam novos perigos potenciais.

Ecossistemas degradados e a exposição crônica a produtos químicos ou metais pesados também diminuem a defesa imune das tartarugas. Os cientistas afirmam que os sistemas imunes fracos podem levar a um desenvolvimento de fibropapilomatose, um tumor carnudo muitas vezes letal às tartarugas marinhas.

Dentre as novas entidades, a poluição plástica continua a receber grande atenção da mídia. Esses produtos à base de petróleo contaminam os oceanos com nanopartículas de plástico, redes de pesca de nylon, sacolas plásticas, e muitos outros resíduos.

“Os microplásticos são manchetes, mas são os macroplásticos que representam a maior ameaça às tartarugas marinhas”, pontua Lynch, que analisou o conteúdo de centenas de tratos gastrointestinais de tartarugas em seu papel como co-diretora do Centro de Pesquisa de Detritos Marinhos na Havaí Pacific University. Enquanto ela vê com frequência tartarugas adultas saudáveis que estão “cheias” de restos plásticos, as tartarugas que ingerem metros e metros de linha de pesca podem morrer em decorrência de intestino retorcido. Essas linhas de pesca também podem se tornar torniquetes em volta das nadadeiras e pescoço.

A verdadeira extensão dos danos do plástico no mar é muito complicada de quantificar, diz Lynch. Quantas tartarugas, por exemplo, tentam transitar pela “Grande Ilha de Lixo do Pacífico” mas ficam presas e morrem em meio a acumulação plástica? Desenvolver um estudo para responder essa questão parece impossível, acrescenta Lynch. “Por isso, o problema relacionado ao emaranhamento na literatura científica é publicado como estudos de caso, mas estudos de caso não contam nada a respeito da ameaça à nível de população.”

Lynch agora está focada na redução da poluição plástica no Havaí. Um projeto inovador rastreia artigos de pesca abandonados que voltam à costa ou fabricante de origem. “Se estão jogando no oceano é porque é resto, e isso é lixo”, diz Lynch, que espera que o programa de rastreio possa prevenir a recorrência dessas ofensas.

As mudanças no sistema terrestre estão criando problemas na qualidade da água para as tartarugas marinhas. Com o aumento da desflorestação, terra cultivada e expansão da pastagem pelo agronegócio, e o desenvolvimento humano, o aumento de sedimentos e o ciclo de nitrogênio e nutrientes fósforos estão sendo alterados nos sistemas naturais da Terra.

O escoamento agrícola fornece uma carga muito intensa de poluição de nitrogênio e fósforo aos estuários do mundo. Esses nutrientes, por sua vez, “fertilizam” os mares e produzem grandes tapetes de algas que reduzem os níveis de oxigênio da água a zero, levando à formação de zonas mortas gigantes. As zonas mortas, como a encontrada anualmente se estendendo além da foz do rio Mississipi, estão em ascensão pelo mundo, e até mesmo existem no oceano aberto. Não se sabe como as tartarugas marinhas estão sendo afetadas.

Sobrevivendo às estatísticas: as tartarugas-de-couro do leste do pacífico

As ameaças parecem desfavorecer as chances das tartarugas marinhas. Ainda assim, as tartarugas-oliva (Lepidochelys olivacea) surgem para as arribadas (eventos massivos de nidificação) nos estados de Odisha e Maharashtra na Índia; as tartarugas-negras (uma variante da tartaruga-verde, Chelonia mydas), retornaram em milhares para as águas mexicanas; e as populações da tartaruga-verde estão prosperando no Havaí.

Esses sucessos derivam de décadas de dedicação das comunidades locais, colaborações regionais em conservação, e acordos multinacionais para proteção dos habitats marinhos e as praias de nidificação, prevenção da coleta dos ovos, redução da pesca acidental, e a proibição da exportação e venda de produtos de tartaruga. Mas o sucesso é desigual pelo mundo.

A tartaruga-de-couro do pacífico leste, por exemplo, está em declínio há décadas. Desde os anos 1980, a quantidade anual de tartarugas-de-couro nidificando e seus ninhos no México e na América Central caíram mais de 90%, segundo um estudo modelo de 2020 feito pela Laúd OPO Network. Perdas crônicas identificadas estão acontecendo devido à pesca acidental e aos níveis insustentáveis de coleta de ovos para consumo humano.

Todavia, só porque o sucesso não está presente em algumas regiões, não é motivo para desistir, Bryan Wallace alerta, co-coordenador da Laúd OPO, também conhecida como Eastern Pacific Leatherback Conservation Network. “Só porque a população está na corda bamba, não significa que os últimos 30 ou 40 anos de esforço não foram efetivos. Não recuperamos a população [ainda], o que significa que ainda temos mais trabalho a fazer,” ele completa.

Com o aumento das ameaças antropogênicas, o que “mais” é necessário para evitar a extinção? A resposta direta de Wallace: a sobrevivência de pelo menos mais 200 tartarugas-de-couro adultas ou quase adultas todo ano – começando nos próximos cinco anos. Sua conclusão é baseada nos cenários modelos de população e supõe sucesso contínuo na proteção de ninhos e incubação. Sem mais adultos em idade de reprodução, as tartarugas-de-couro no pacífico leste podem ser extintas nas próximas décadas.

Mudando o modo como os humanos pescam

Wallace apresenta uma perspectiva importante: mesmo que uma população de tartaruga possa se adaptar aos novos desafios antropogênicos sendo lançados à ela, ainda é necessário um número suficiente de tartarugas adultas para acasalarem e sobreviverem a esses impactos: o jogo de números ganhos precisa ser um componente importante nos futuros esforços de conservação, de acordo com a pesquisa de Fuentes a respeito da criação do índice de resiliência das tartarugas marinhas.

O ato de salvar tartarugas adultas começa com uma simples prioridade: prevenir pescas acidentais, de longe um ponto focal para os conservacionistas. Soluções conhecidas incluem usar materiais de pesca amigáveis às tartarugas, ensinar pescadores como libertar com segurança as tartarugas marinhas enredadas, e restringir a pesca nas rotas de migração das tartarugas marinhas, enquanto também incentiva as frotas de pesca a compartilharem informações sobre, e evitar, os hotspots das tartarugas.

Contudo, apesar dessas iniciativas, as tartarugas-marinhas, incluindo as tartarugas-de-couro, passam a maior parte da vida no caminho do perigo: nadando nos lugares comuns do alto mar onde a maioria das frotas de pesca industrial operam – também um dos lugares menos protegidos da Terra para a vida marinha. Por isso, focar na conservação em relação às pescas de menor escala, as quais representam mais de 90% do comércio de pesca do mundo, que produz cerca de 50% das capturas globais, poderia ser de grande diferença.

Joanna Alfaro-Shigueto, co-fundadora e presidente da ProDelphinus, uma ONG com sede no Peru, passou décadas trabalhando para reduzir a pesca acidental por pesqueiros menores ao longo dos mais de 2000 quilômetros da costa de seu país.

Para tornar os planos de conservação mais efetivos, a equipe de Alfaro-Shigueto desenvolveu uma avaliação rápida sobre pesca acidental para preencher as lacunas de informações. Ao invés de ir ao mar e contar as pescas acidentais, a avaliação rápida é baseada em entrevistas com os capitães dos barcos e com os pescadores. Os servidores da ProDelphinus de 43 portos no Peru, Equador e Chile mostraram que pesca com rede em pequena escala pegaram mais de 46000 tartarugas marinhas – e mataram mais de 16000 – todo ano. Os maiores números foram no Peru e no Equador, realçando onde o trabalho de conservação deve se concentrar.

A Laúd OPO Network organiza workshops para utilizar esse método de avaliação de modo mais abrangente. Isso levou a um servidor de pesca acidental de tartarugas-de-couro através de 79 comunidades pesqueiras no México, Nicarágua, Costa Rica, Panamá e Colômbia. Os resultados estimaram que um mínimo de 345 tartarugas-de-couro foram capturadas anualmente em pescas de pequena escala naquela região. O servidor também descobriu que portos perto de praias de nidificação eram hotspots de pesca acidental, proporcionando um mapa regional abrangente a respeito de onde a próxima fase da conservação deve focar. Adicionando importância, os pescadores relataram que 80% das tartarugas-de-couro capturadas foram libertadas com vida, o que significa que ensinar pessoas como a libertar animais de modo seguro pode melhorar as chances de sobrevivência à pesca acidental.

Usos inovadores das tecnologias existentes também podem ajudar a reduzir a pesca acidental. No pacífico leste tropical, o uso de redes danosas às tartarugas por pesqueiros de menor escala está entre os maiores do mundo. A ProDelphinus entrou em parceria com pesquisadores da Universidade de Exeter, do Reino Unido, para distribuir luzes LED entre três pesqueiros de pequena escala no Peru. Quando os pescadores colocaram as luzes nas redes, ajudou as tartarugas marinhas a evitá-las, e a pesca acidental sofreu uma queda de mais de 70%.

Baseando-se nessa ideia, cientistas da Universidade do Estado do Arizona, nos EUA, projetaram luzes de energia solar. Quando pescadores em Baja California Sur, no México, colocaram as luzes autossuficientes nas redes, eles reduziram a pesca acidental de tartarugas marinhas em 65-70%, enquanto mantiveram a pesca dos peixes alvos, diz Jesse Senko, pesquisador chefe e cientista marinho em conservação. Com poucas tartarugas para desenredar e menos danos de redes para reparar, os pescadores pouparam tempo. Infelizmente, Senko estima que uma produção em massa das luzes solares pode levar cinco anos. As tartarugas-de-couro podem não conseguir esperar por tanto tempo.

‘Na visão macro, não estamos apenas tentando conservar tartarugas. Também estamos tentando promover pescas sustentáveis”, diz Alfaro-Shigueto. “O desafio agora? A conservação não é rápida o suficiente e estamos ficando sem tempo”.

Mudando o futuro da conservação de tartarugas-marinhas

Se as tartarugas não têm tempo para se adaptar, talvez seja hora para a conservação adaptar seus métodos, dizem os profissionais. Por exemplo, existe uma parcialidade terrestre, que perdura há tempos, impregnada na pesquisa de tartarugas marinhas. A maioria dos estudos são conduzidos em terra firme, onde os pesquisadores podem facilmente perambular contando as fêmeas que fazem ninhos, os ovos ou a incubação. “Mas essa é apenas uma pequena fração de suas vidas”, diz Kate Mansfield, uma bióloga de tartaruga marinha da Universidade da Flórida Central.

Por conta disso, pouco é sabido sobre os machos porque eles não vêm à costa. Do mesmo modo, as tartarugas-de-couro passam a maior parte da vida no oceano aberto, e ninguém sabe onde elas vão durante seus “anos perdidos”, ou o que pode beneficiar ou prejudicar a sobrevivência delas enquanto estão por lá.

“Esses animais vivem pelo menos o mesmo tempo que os humanos. E eles surgem em diferentes partes do mundo, em idades e estágio da vida diferentes,” explica Mansfield. “Para melhor proteger e conservar essas espécies, precisamos muito saber sobre essas coisas.”

Um estudo recente, por exemplo, mudou a presunção de longa data dos cientistas de que as tartarugas jovens viajam pelas correntes do oceano para chegarem a lugares distantes em busca de alimentos. Mansfield e seus colegas colocaram dispositivos de rastreamento, à base de energia solar, em tartarugas-verdes jovens. Surpreendentemente, eles descobriram que as tartarugas jovens nadam fora das grandes correntes intencionalmente para chegar aos melhores habitats para alimentação proporcionados pelas esteiras de algas marinhas no norte do Mar dos Sargaços no Atlântico norte – infelizmente, também, “uma das partes mais sujas e danificadas do oceano aberto”. A rotação de quatro correntes ligando esse mar sem costa aprisiona grandes quantidades de lixo plástico; o impacto nas tartarugas é desconhecido.

Há lacunas de conhecimento similares sobre as jornadas que as tartarugas-de-couro adultas e quase adultas fazem. Agora, Mansfield está testando uma nova tecnologia de rastreamento, chamada ICARUS, que emite sinais de satélite para a Estação Espacial Internacional para o rastreamento de tartarugas, potencialmente, mais preciso.

Entretanto, é necessária mais pesquisa. A atual escassez de dados “seria como ter médicos em hospitais sabendo, e sendo capaz de, tratar apenas adolescentes e pessoas idosas,” afirma Mansfield. “É muito importante compreender onde esses animais estão indo… porque eles são a base do resto da população.”

Protegendo habitats chave para a conservação de tartarugas

Apenas acompanhar as tartarugas e seus movimentos pode levar a perder dois pontos essenciais para conservação futura bem sucedida: um foco nos habitats e nos humanos.

Abordagens de conservação focadas nas espécies surgiram durante os anos 1960 e 70, quando a extinção das tartarugas parecia iminente, diz Kartik Shanker, um ecologista no Instituto Indiano de Ciência, em Bangalore. “Mas, desde então, não fomos capazes de abandonar, o suficiente, essas abordagens.”

Em lugares onde as populações estão se recuperando, argumenta Shanker, não está sendo feito o suficiente para resguardar o habitat da tartaruga marinha, apesar das proteções do ecossistema que fazem parte de acordos internacionais, incluindo o Memorando de Entendimento sobre Tartarugas Marinhas do Oceano do Sudeste Ásiatico, a Convenção Interamericana para a Proteção e Conservação de Tartarugas Marinhas, e a Comissão Internacional para a Conservação de Atum do Atlântico.

“Se a situação vier a piorar, ações de administração e mitigação têm sido focadas na espécie ao invés de ter foco no habitat,” afirma Shanker. “As populações de tartarugas parecem ser capazes de se recuperar. Mas, elas não podem se recuperar caso as praias de nidificação deixem de existir.”

Infelizmente, não existe estratégia perfeita para proteger essas praias da natureza humana, com seu anseio por desenvolvimentos costeiros, ou da mãe natureza.

“Para mim, os problemas de conservação chave [para tartarugas marinhas] são proteger os terrenos de reprodução e eliminar o máximo de ameaças marinhas que conseguirmos,” diz David Godfrey, diretor executivo da Sea Turtle Conservancy, uma ONG com sede na Flórida que monitora os principais locais de nidificação na Flórida, Costa Rica e Panamá, e defende mudanças de políticas para preservar habitats chave.

Um problema chave: há muito que os pesquisadores não sabem sobre o valor da população potencial e as iniciativas de proteção de habitats. Por exemplo, os resultados das intervenções – como realocar ninhos para salvá-lo do aumento da maré, ou da incubação de ovos em temperaturas mais amenas para produzir mais machos – não são bem conhecidas, admite Fuentes.

Com recursos limitados, é importante apontar as ações mais efetivas, ela insiste. “Há muito que pode ser feito, mas precisamos entender melhor as compensações ou efetividade, e o retorno dos esforços em conservação antes da implementação.”

Outro ponto cego é que as ameaças são tipicamente tratadas individualmente, “mas precisamos considerar os impactos cumulativos – as sinergias,” diz Fuentes.

O que quer que seja que os cientistas descubram sobre as tartarugas marinhas e seus encontros com a ultrapassagem humana das fronteiras planetárias, não será o suficiente se esse conhecimento não puder ser transformado em ação prática. “Os cientistas nem sempre sabem a melhor maneira de traduzir a informação correta para a pessoa certa, na hora certa para garantir que a melhor ciência seja usada para maximizar os resultados de conservação,” diz Fuentes.

Para Godfrey, uma das coisas mais importantes a se saber não é só a ciência, mas as pessoas em cargos eletivos: “se você quer proteger a vida selvagem e o meio ambiente, essas pessoas fazem toda a diferença.”

‘Haverá outra chance’: adotando pontos de vista tradicionais

O quão grandes sejam os impactos antropogênicos futuramente, os sucessos da conservação futura ainda precisará se apoiar bastante em indivíduos engajados e comunidades locais. “Precisamos trabalhar para – não prejudicar – os vínculos que as pessoas têm com a natureza,” afirma Shanker, co-fundador da Dakshin, uma ONG focada no lado humano da conservação.

Em muitas situações, ele pontua, a utilização indígena de recursos foi condenada e não considerada parte das soluções de conservação. “Tornou-se culturalmente cravado que qualquer uso das tartarugas marinhas é errado”, uma visão, Shanker diz, de origem predominantemente ocidental, mas que direciona muito da política global. Esse olhar está presente em lugares como a Índia, ele afirma, onde o paradigma dominante é firmemente protecionista em relação às tartarugas marinhas e outras espécies.

Mesmo o uso sustentável, como a coleta legal de ovos em Ostional, na Costa Rica, levanta controvérsia. Lá, as arribadas mensais de tartarugas-oliva produzem tantos ovos, que os membros da comunidade podem coletá-los durante a primeira onda de nidificação sem grande dano, enquanto impulsiona a economia local.

A busca para entender melhor o que as tartarugas marinhas significam para as comunidades próximas às áreas de nidificação levou o biólogo marinho, Jose Urteaga, para longe das praias de nidificação da Nicarágua para estudar a motivação social da caça furtiva e do uso de recursos na Universidade de Stanford, na Califórnia

Nos anos 1980, a colheita insustentável de ovos na costa pacífica da Nicarágua levou a população da tartaruga-de-couro de lá a colapsar. Em 2002, com a ONG Fauna & Flora Internacional, Urteaga começou a trabalhar com as comunidades: ele treinou a população local para administrar uma incubadora e criou um programa pagando aos coletores para trazerem ovos à incubadora, ao invés de levarem aos mercados ilegais. Esses esforços expandiram a proteção de cerca de 100% dos locais de nidificação em três praias chave.

Ainda assim, a população continuou a diminuir. Na temporada de 2019-20, nenhuma nidificação da tartaruga-de-couro foi encontrada nas praias protegidas – um impacto que atingiu tanto a comunidade natural como a humana.

Durante o começo dos anos de seu trabalho em conservação, uma conversa memorável com uma comerciante de ovos idosa mudou para sempre a percepção de Urteaga sobre o que está em jogo para as pessoas locais em relação à sobrevivência de tartarugas marinhas. “O que as tartarugas significam para você?” ele perguntou à mulher mais velha, confrontando-a como se ela fosse o inimigo. A anciã respondeu:

Vou te explicar o que essas tartarugas e o oceano significam para mim. Quando meus filhos estavam doentes e eu precisava de remédio para eles, as tartarugas me proporcionaram dinheiro para poder comprá-los. Quando meus filhos estavam com fome e precisavam de comida, as tartarugas me deram comida para alimentar meus filhos. E quando as crianças precisavam ir à escola, as tartarugas me deram os recursos para mandá-los para a escola. Então, se isso não te diz o quão importante as tartarugas são, o que significam para mim, nada o fará.

Anos mais tarde, em Stanford, Urteaga analisou os vários fatores humanos que estavam afetando a conservação de tartarugas. Ele descobriu evidências diretas do comprometimento da comunidade com a conservação: na Nicarágua, a maioria das comunidades locais que pagavam incentivos ofereciam menos dinheiro do que o mercado ilegal. Mas Urteaga descobriu que colecionadores estavam dispostos a aceitar menos pagamento pelos ovos porque eles os viam como sua contribuição à conservação das tartarugas marinhas.

A necessidade de compreender melhor as pessoas também pode se aplicar aos conservacionistas, pontua Urteaga. As tartarugas marinhas, principalmente a de couro, são vistas como quase místicas por muitos profissionais. “Elas tocam uma parte do nosso coração, e às vezes pensamos que a conservação, em último caso, está mudando a mente e a alma das pessoas nessa direção,” ele afirma.

Contudo, as pessoas nas comunidades locais, que vivem em realidades completamente diferentes, não precisam adotar a mesma ideia mítica para preservar as tartarugas. “Podemos apenas concordar com a necessidade de proteger um recurso que é também muito importante para elas.”

Atualmente, as tartarugas-de-couro fêmeas estão finalmente voltando às praias da Nicarágua. Não muitas. Mas o suficiente para reafirmar o otimismo de Urteaga, um olhar que ele adquiriu com as pessoas dedicadas da comunidade com as quais trabalhou ao longo das décadas. Ele diz que elas contam a ele: “haverá outra chance. Haverá outra tartaruga que virá. Haverá outra oportunidade para proteger os ninhos e soltar os filhotes no mar.”

Adaptando-se em conjunto – tartarugas e pessoas – os grandes migradores podem ser capazes de continuar sua jornada épica por eras.