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A um ano da COP30: como Belém está se preparando para a conferência do clima da ONU

A um ano da COP30: como Belém está se preparando para a conferência do clima da ONU

Para além de obras na capital, diversos setores desenvolvem estratégias para incentivar a bioeconomia, a conscientização ambiental e a inclusão social de olho na conferência de 2025

Quando se anda por Belém (PA), é difícil não perceber que a cidade se prepara para um grande evento. Especialmente na área mais central da capital paraense, há outdoors e tapumes de obras que destacam “Belém Cidade da COP30”, anunciando as diversas reformas e construções que somam mais de R$ 4 bilhões em preparativos para a 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será daqui a um ano, entre 10 e 21 de novembro de 2025. Mas, para além de obras, Belém se prepara para a conferência com a mobilização de diversos setores, desde empreendedores a povos tradicionais e a juventude da periferia.

Embora no início deste ano tenha surgido rumores de que parte da programação da COP30 pudesse ser em cidades maiores, como São Paulo ou Rio de Janeiro, “não há a menor possibilidade de se fazer parte da COP em outro local que não seja Belém”, segundo Valter Correa, Secretário Extraordinário da COP30. E, para isso acontecer, as três esferas do Governo (municipal, estadual e federal) fazem investimentos em diversas frentes. O destaque é o Parque da Cidade, uma obra que já vinha sido planejada antes de Belém ser anunciada como sede do evento, mas que ganhou impulso após a confirmação da capital como anfitriã. Esse é o espaço que vai receber a maioria dos eventos da COP30, com uma área de 500 mil m², cuja construção está em 45%, conforme informado em nota pelo Governo do Estado.

Obras no Parque da Cidade. — Foto: Governo do Pará
Obras no Parque da Cidade. — Foto: Governo do Pará

Veja abaixo a distribuição de recursos por obra (em milhões de reais):

A revitalização do Mercado de São Brás, uma das obras mais perto da conclusão, é outro legado que fica para a população local, preservando a memória enquanto acrescenta mais sustentabilidade a um dos principais polos econômicos da capital. Datado do período áureo da borracha, de 1911, o prédio está localizado na área central de Belém e estava abandonado há anos, com problemas como goteiras e telhado, janelas e portões quebrados. O espaço abriga 330 pequenos negócios, desde venda de vinis e ervas naturais a restaurantes, açougue e hortifruti. A entrega final da obra está marcada para 13 de dezembro, mas parte do Mercado já está aberta para visitação.

As novidades incluem refrigeramento por ar-condicionado em parte do Mercado e, para tornar a obra mais sustentável, foram instalados mecanismos de reuso de água da chuva e de tratamento de esgoto e paineis solares que vão atender a 30% do consumo de energia. “Um dos restaurantes também vai ter uma estação de compostagem, como um piloto. A matéria orgânica gerada ali voltará como gás que será usado na própria cozinha”, acrescenta Leonardo Santos, engenheiro responsável pela obra.

Durante a obra, que iniciou em janeiro de 2023, os feirantes estão trabalhando em estandes provisórios e receberam capacitações gratuitas. A feirante Rosana Martins está no Mercado há mais de 30 anos e nos últimos meses fez cursos de inglês, negócios, Marketing e outros. “É um sonho que se realiza. Agora, temos estrutura e profissionalização para receber turistas”, declara.

Rosana Martins, feirante do Mercado de São Brás. — Foto: Alice Martins
Rosana Martins, feirante do Mercado de São Brás. — Foto: Alice Martins

Bioeconomia pode ser diferencial para a COP30

A bioeconomia está presente não só no Mercado de São Brás, mas também no Mercado do Ver-o-Peso e em tantos outros pontos na cidade. Mas o que é comum em se ver na capital paraense pode ser uma novidade para quem costuma acompanhar a Conferência do Clima. É o que propõe o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) do Pará, que desde a COP27, em 2022, instalou um comitê para se dedicar a desenvolver estratégias para a conferência em Belém, embora naquela época, o evento fosse apenas uma possibilidade.

“Para nós, tão importante quanto trazer a discussão das mudanças climáticas é falar para os empreendedores sobre o fluxo de visitantes e visibilidade que tem sido dada a Amazônia”, reforça Renato Coelho, coordenador do comitê da COP30 do Sebrae.

Projeto do Parque São Joaquim — Foto: Divulgação
Projeto do Parque São Joaquim — Foto: Divulgação

O Sebrae está capacitando motoristas de aplicativo em temas como qualidade no atendimento, educação ambiental e turismo. O mesmo é feito com pilotos de embarcação, considerando que Belém é rodeada por ilhas que só podem ser acessadas por barcos e que atraem os turistas. Os treinamentos também são oferecidos a empreendedores da economia criativa. Para Coelho, o artesanato ouriundo do miriti, uma palmeira amazônica, valoriza o conhecimento tradicional, é fonte de renda para as comunidades e usa um ativo da floresta.

A expressão artística e econômica típica da região utiliza a palha do miriti na produção de objetos como cestas, chapéus, utensílios decorativos e brinquedos, refletindo a criatividade local e o aproveitamento sustentável de recursos naturais. “O empreendedor tem consciência de que é a manutenção da floresta em pé que gera a renda, então se torna um agente ambiental, e é isso que precisamos para conter as mudanças climáticas. Quando o visitante vier para a COP, ele pode ter contato direto com essas boas práticas e atividades sustentáveis”, declara.

Ivan Leal é marajoara e desde criança produz peças de miriti. Hoje, é artesão de referência no município de Abaetetuba (PA) e tem altas expectativas em torno da COP30. Ele é acostumado a participar de feiras, onde vende produtos de todos os tipos e tamanhos, custando de 10 a 2 mil reais. “Costumo dizer que esse é o verdadeiro design, que se preocupa com extrair da natureza sem prejudicar e sem ter nenhum resíduo”, diz. Leal tem feito cursos como de técnica de vendas para se preparar para a conferência do ano que vem.

Artesão de Miriti, Ivan Leal. — Foto: Alice Martins
Artesão de Miriti, Ivan Leal. — Foto: Alice Martins

Airbnb, novos hoteis, domos e cruzeiros devem acomodar visitantes

Depois que a COP28 de Dubai, realizada no ano passado, bateu o recorde histórico de participação, com mais de 80 mil pessoas credenciadas, o secretário Valter Correa diz que a expectativa agora é retomar a média que se tinha nas conferências anteriores, de receber em torno de 50 mil pessoas. “É uma lógica voltar ao foco das negociações, dos debates, dos compromissos que cada país vai assumir perante o clima do planeta”, declara.

Belém dispõe de aproximadamente 18 mil leitos na rede hoteleira atualmente, e um dos pontos mais comentados por diversos setores é a necessidade de ampliar essa oferta. “Vale lembrar que esse é um evento que tem um perfil de turismo diferente do que Belém está acostumada, principalmente se formos comparar com o Círio de Nazaré”, pontua Renato Coelho, do Sebrae. O Círio é uma festividade católica realizada há 232 anos em Belém todo segundo domingo de outubro e que, neste ano, recebeu mais de 80 mil turistas.

Renato Coelho, coordenador do Comitê da COP30 do Sebrae Pará. — Foto: Alice Martins
Renato Coelho, coordenador do Comitê da COP30 do Sebrae Pará. — Foto: Alice Martins

“Mas muitos dos que vêm para o Círio geralmente vêm para ficar com parentes ou amigos. Na COP, será um público diferenciado, de delegados e representantes das Nações Unidas, além da sociedade civil no geral”, avalia Coelho. Por isso, uma das apostas para hospedagem é aumentar e profissionalizar os cadastros de locações por temporada. “Temos um convênio técnico com o Airbnb e já capacitamos mais de 400 pessoas como novos anfitriões”, informa.

Aliás, o número de imóveis em Belém cadastrados na plataforma Airbnb subiu de 700 para cerca de 3.500, desde o início dos preparativos para a COP30 até agosto deste ano. Além disso, o Sebrae contratou escritórios de advocacia e imobiliária para mapear casas e apartamentos considerados de alto padrão que possam ser adaptados para receber o alto escalão, como as embaixadas.

O secretário Valter Correa destaca mais estratégias para ampliar a oferta. Um antigo prédio da Receita Federal se tornará um hotel e, além disso, a rede hoteleira portuguesa Vila Galé vai transformar 2 armazéns localizados no Porto de Belém em hotéis de luxo. Serão construídos ainda apartamentos modulares ao lado do Parque da Cidade para comportar visitantes.

Os modulares serão depois convertidos em sedes administrativas do Governo do Pará. “Nós estamos trabalhando também de uma forma bastante intensa desde a utilização dos espaços das Forças Armadas, como espaço para receber as pessoas, até as escolas que estão sendo reformadas e que vão servir também”, cita Valter Correa.

Em paralelo, a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) está negociando com navios de cruzeiro para poder garantir em torno de 4 a 5 mil leitos a mais para a capital paraense durante o evento.

Legado para a cidade deve chegar às baixadas, defende organização

Valter Correa enfatiza que o objetivo dos investimentos não é só acomodar os visitantes, mas deixar um legado para os belenenses. Por isso, há obras estruturantes espalhadas por várias partes da cidade, envolvendo macrodrenagem, duplicação de via, revitalização, dentre outras intervenções. Algumas delas ainda não foram iniciadas, como a da rua da Marinha. A reportagem tentou realizar entrevista com representantes do Governo do Estado para saber mais detalhes, mas a assessoria de comunicação prestou informações apenas por nota, na qual resumiu que a obra “está localizada no Polígono da COP, que tem duas faixas de rolamento e passará a ter seis”.

No entanto, para a coalização “COP das Baixadas”, composta por várias organizações da sociedade civil, essa distribuição é desigual. A coalização nasceu depois que dois jovens moradores do bairro do Jurunas, periferia de Belém, participaram da COP27, no Egito. Ao retornarem, tiveram a ideia de inserir mais pessoas da periferia nesse espaço. “Baixadas são as regiões mais baixas de Belém, onde a maioria da população é mais pobre e parte dela vem dos interiores do estado, que migra para a capital em busca de oportunidades, mas que traz consigo uma relação muito próxima com as margens e os rios urbanos”, define Waleska Queiroz, coordenadora geral da COP das Baixadas.

“Nós, das periferias, das baixadas, somos as populações mais vulneráveis às mudanças climáticas. E o que temos observado é que essas áreas estão sendo deixadas de lado pelas obras da COP30. As áreas mais centrais, que já têm mais infraestrutura, recebem mais suporte”, critica. Queiroz aponta as obras da avenida Visconde de Souza Franco e do Porto Futuro II, de R$ 310 milhões e R$ 568 milhões, respectivamente, que têm como principal foco atender ao turismo e que já estão em andamento.

Confira, abaixo, o mapa com informações de todas as obras em andamento ou previstas até o momento para a COP30:

Enquanto isso, mesmo quando há foco na periferia, como a Macrodrenagem do Tucunduba, ela pondera que nem sempre contam com a participação social. “O que a gente se preocupa é que, nas baixadas, façam apenas uma ‘maquiagem’. Tem a obra do Tucunduba, mas não é uma resposta pensada para a estrutura da Amazônia. Diversas pessoas estão sendo remanejadas e apenas querem impermeabilizar e colocar concreto em tudo, indo na contramão das soluções sustentáveis que já vemos em outros países”, argumenta.

Waleska-Queiroz, coordenadora-geral da COP das Baixadas. — Foto: Alice Martins
Waleska-Queiroz, coordenadora-geral da COP das Baixadas. — Foto: Alice Martins

Organização aguarda intensa participação social

Na Cúpula da Amazônia, no ano passado, diversas organizações da sociedade civil aproveitaram o encontro de líderes para fazer protestos e reivindicações. Na COP30, esses movimentos devem ser intensificados, como reconhece o secretário Valter Correa. “Nós temos no Brasil uma tradição de participação social dos movimentos sociais e isso não deve se limitar agora”, afirma.

Essa presença não deve se restringir aos ambientes oficiais do evento. O próprio Mercado de São Brás e o Complexo do Ver-o-Peso são, historicamente, palco de manifestações e é de se esperar ver ações do tipo durante a Conferência do Clima. A ideia do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, inclusive, é incentivar essa descentralização. De acordo com Rodrigo Perpétuo, secretário executivo do ICLEI América do Sul, a inspiração vem da COP16 de Biodiversidade, realizada no mês passado em Cali, na Colômbia.

“Estamos fomentando uma cooperação Cali-Belém. A COP16, pela primeira vez, contou com uma Zona Verde, uma prática comum na COP do Clima, mas que não havia na de Biodiversidade. E com um diferencial de ser na cidade, nas praças, para se aproximar mais da população”, revela.

A descentralização também é defendida pela COP das Baixadas, que criou a campanha das Yellow Zones. O objetivo é inaugurar “zonas amarelas” na periferia, para atuarem como centros de participação popular em espaços de discussão, formulação e intervenção em políticas climáticas, que podem ainda ser atrativos para o turismo comunitário de base durante a COP30. Duas Yellow Zones já foram criadas até o momento: na Vila da Barca e no Jurunas.

A pluralidade de vozes corrobora com as reivindicações da chamada Cúpula ou COP dos Povos. Indígenas, quilombolas e membros de entidades como a Pastoral da Terra e o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), dentre outros conjuntos, têm se articulado em conjunto para ter suas demandas ouvidas na COP30 e buscam por espaço nas mesas de negociações, algo que também condiz com a COP16 de Biodiversidade, onde foi criado um órgão subsidiário permanente para tratar dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais. “Temos que nos apropriar dessa discussão, aprender inglês e nos organizar para participar ao máximo dos espaços possíveis”, reiterou Neidinha Suruí, liderança-chave do movimento, na ocasião.