A Terra gira rápido. Então por que não vemos estrelas como borrões no céu?
Quando dirigimos um carro em alta velocidade, tudo passa como um borrão do lado de fora. Os objetos na verdade estão parados, mas, para nós, que somos a nossa própria referência neste caso, é o carro que parece parado. Por isso, temos a impressão de que as coisas do lado de fora é que se movem. Mas por que isso também não acontece com as estrelas, se a Terra gira tão rápido?
Se você pensou que a resposta está na distância das estrelas ou na velocidade desses movimentos, saiba que o raciocínio está correto, mas essa é apenas a metade da história. Também devemos colocar na equação a baixa resolução espacial da visão humana e a alta resolução temporal. Mas o que isso tudo significa?
Bem, antes de entrar nesses detalhes mais “técnicos” do olho humano, vamos voltar à lógica da velocidade. De fato, conseguimos acompanhar o movimento das estrelas ao longo da noite muito melhor do que o movimento aparente das árvores do lado de fora do nosso veículo a 120 km/h. Isso porque as estrelas “se movem” lentamente no céu — assim como as árvores, o movimento das estrelas é apenas aparente, pois é a Terra que está em constante movimento.
Entretanto, ainda existe um borrão de movimento nas estrelas — e nós só não o vemos por nossa visão ser “boa” demais, nesse caso. Ou melhor, porque temos alta resolução temporal. As árvores na janela do carro parecem se mover em frações de segundos, mas as estrelas se deslocam em relação a nós em velocidade suficientemente baixa para que a resolução espacial da relatividade de nossos olhos não possa detectar tal movimento.
Nossa visão é como um vídeo constantemente capturado por duas câmeras — os dois globos oculares. Eles se movem rapidamente em pequenos ângulos enquanto o cérebro processa e atualiza a imagem, refinando os detalhes e ajustando o efeito de espacialidade. Esse efeito só é possível graças ao modo como cada um dos nossos olhos estão separados um do outro, capturando imagens de ângulos ligeiramente distintos.
Esse truque funciona muito bem para a maioria das coisas aqui na Terra, mas não quando os objetos estão a distâncias cósmicas. Nossos olhos simplesmente não estão separados o suficiente para capturar imagens de uma estrelas em ângulos diferentes. Existem alguns cálculos complicados para medir essa resolução angular, que envolvem o tamanho da pupila. Por isso, à noite, quando o diâmetro da pupila aumenta para 9 mm, a nossa resolução angular à noite tem um valor diferente.
Por outro lado, temos alta resolução temporal em nossa visão. Isso significa que conseguimos “atualizar” as imagens muito rapidamente, cada uma capturada em milésimos de segundo. Mais precisamente, o olho humano leva cerca de 40 milésimos de segundos para processar uma imagem e pode perceber 25 imagens diferentes por segundo, ou o mesmo objeto 25 vezes em um segundo. Isso garante que vejamos as estrelas “passearem” pelo céu sem criar borrões.
Para ver borrões estelares, causados pelo movimento aparente das estrelas no céu à medida que a Terra se movimenta, precisamos de câmeras fotográficas ou telescópios para isso. Precisamos, então, reduzir a resolução temporal do sistema de imagem utilizado (ou seja, aumentar o tempo de exposição de uma câmera fotográfica, por exemplo), ou aumentar a resolução espacial (conseguimos isso com um telescópio de maior potência). Neste último caso, o desfoque de movimento é algo que os instrumentos são planejados para não detectar, porque os astrônomos precisam das imagens em boa definição, e não com objetos “borrados”. Para evitar o borrão, os telescópios usam tempos de exposição curtos ou sistemas de rastreamento para minimizar o borrão de movimento das estrelas. Por exemplo, podemos usar sistemas motorizados que fazem o telescópio acompanhar o movimento aparente das estrelas ao longo de horas, obtendo uma imagem nítida em vez de borrada.
Já na astrofotografia, o efeito de estrelas borradas no céu é bastante admirado, sendo obtido por meio de uma técnica chamada “star trail”, que exige uma longa exposição — isto é, um longo período em que o obturador da câmera fica aberto, capturando a luz. Esse tempo pode ser de minutos a horas, a depender do objetivo do fotógrafo.
Por isso, quando olhar para as estrelas, lembre-se que elas estão, sim, se movendo em relação aos seus olhos, mas sua visão é boa o suficiente para não perceber nenhum rastro. Lembre-se também que nada está realmente parado no universo. A Terra está em constante movimento ao redor do Sol, o Sol se movimenta ao redor do centro da Via Láctea, e as demais estrelas também. Mas, dadas as distâncias cósmicas e à sincronia destas “danças” orbitais, as estrelas parecem estar sempre no mesmo lugar no nosso céu — ao menos durante nosso tempo de vida.