“Resgatar os animais do Pantanal é salvar o futuro”
Em uma manhã de sol forte no fim de junho, profissionais especializados em resgate de animais andaram 12 quilômetros pelo Pantanal atingido por incêndios na região de Corumbá (MS). Duas horas após o início da caminhada em meio à fuligem e vegetação queimada, encontraram um grupo de macacos bugios com filhotes no alto de um ipê-roxo.
“A árvore pegou fogo, mas eles estavam bem no topo e se salvaram. Praticamente não tinham comida e nem se moviam”, relatou a médica-veterinária Paula Helena Santa Rita.
Santa Rita ficou feliz ao encontrar os animais vivos. Mas logo sentiu um desespero: como conseguiria ajudar aqueles animais ariscos? Situações como essa tornaram-se rotina na vida da médica-veterinária, bióloga e professora da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Ela é coordenadora operacional do Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal (Gretap).
Temporada do fogo no Pantanal começou mais cedo neste ano – Foto: Gustavo Basso/DW
Vinculado ao governo do Mato Grosso do Sul, o Gretap é formado por órgãos governamentais, instituições privadas e entidades do terceiro setor. Surgiu em 2020, quando o Pantanal sofreu com os maiores incêndios de sua história e pelo menos 17 milhões de animais morreram. Desde então o grupo vem salvando a fauna.
Em maio, a equipe forjada no fogo teve um novo desafio. Foi chamada pelo governo do Rio Grande do Sul para atuar no resgate de animais nas inundações que assolaram o estado. Em 18 dias, os sete membros do grupo que atuaram em solo gaúcho socorreram, atenderam, vacinaram ou deram comida para cerca de 5 mil animais, principalmente cães e gatos.
Voltaram do Sul com uma cuia de chimarrão e dez quilos de erva-mate, presente dos gaúchos. Chegaram em Mato Grosso do Sul no dia 2 de junho e, no dia 20, já estavam em campo novamente. Agora para monitorar, avaliar e resgatar os animais dos incêndios que mais uma vez assolam o Pantanal.
Animais mortos, bugios ilhados
A temporada do fogo no Pantanal preocupa porque iniciou mais cedo e mais intensa neste ano. Considerando os primeiros seis meses, 2024 bateu o recorde de focos de incêndio segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – a medição ocorre desde 1998. Foram 3.538 focos, 39% a mais que no mesmo período de 2020. E a época mais crítica ainda está por vir, de agosto a outubro.
Walfrido Moraes Tomas liderou o estudo publicado na Scientific Reports que estimou em cerca de 17 milhões de animais vertebrados mortos diretamente pelos incêndios de 2020. De acordo com o pesquisador da Embrapa Pantanal, ainda não é possível estimar o impacto do fogo na fauna neste ano. “No entanto, sabemos que os incêndios causam impactos, como mortes direta e indiretas pelo fogo, degradação de habitats naturais, depleção de recursos, aumento da predação, perda de ninhos”, explicou.
Santa Rita disse que a situação ainda não pode se comparar a de 2020. Mas há muitos animais mortos, principalmente répteis, como cobras e jacarés, anfíbios, como sapos e rãs, e aves. Os bichos morrem incinerados, por excesso de calor ou mesmo pela inalação de fumaça.
No caso dos bugios encontrados no ipê-roxo no fim de junho, eles praticamente não tinham o que comer e poderiam ser vítimas de predadores. A família era formada por dois machos, três fêmeas e dois filhotes recém-nascidos. A informação de que os animais estavam em perigo fora dada por catadores de iscas das matas pantaneiras.
Ao chegarem ao local, os especialistas avistaram os bugios. Com binóculos, drone e paciência, analisaram a situação. “Nós não derrubamos [capturamos] todos os animais que encontramos”, explicou Santa Rita. “A gente faz uma avaliação clínica e categoriza o bicho. A proposta é intervir o mínimo possível na vida dos animais silvestres.”
A conclusão foi de que a melhor estratégia seria fornecer alimentos, como frutas e leguminosas, e monitorar a situação daqueles animais por meio de armadilhas fotográficas. No fim de junho e início de julho, o Gretap atendeu de forma semelhante outras três famílias de bugios. A equipe de sete profissionais, que se revezam de tempos em tempos, segue na região para avaliar a situação desses e de outros animais.
Onças resgatadas em 2020
Neste ano, o Gretap não precisou capturar nenhum animal. Mas, às vezes, esse recurso é necessário, como ocorreu em 2020. Brigadistas que combatiam o fogo viram uma onça-pintada debilitada e avisaram a força-tarefa. O grupo encontrou o animal e o observou durante 28 horas até ter certeza de que o atendimento seria necessário.
A onça havia se abrigado em uma casa abandonada, mesmo refúgio usado por outra onça. E além de precisarem socorrer os dois felinos, o rifle que usariam para sedar os animais falhou. Recorreram a uma zarabatana – uma arma onde o dardo é lançado por sopro.