Colocando microscópio na lavoura, Symbiomics captou R$ 10 milhões com bioinsumos

Startup brasileira cresce no setor de agtech com soluções que potencializam benefícios ambientais de fungos e bactérias
Inovar às vezes é ver a natureza de outra maneira, e no caso da brasileira Symbiomics isso é levado ao nível microscópico. A startup captou mais de R$ 10 milhões em investimentos após comprovar que é possível potencializar a produtividade usando o que a terra já possui: fungos e bactérias, que podem ser excelentes aliados no campo. Desvendar os segredos dos microrganismos e programar a genética deles, fazendo com que atendam às necessidades do produtor, se tornou um negócio que vem destacando a greentech de Santa Catarina, com aportes de fundos de investimento no Brasil e exterior.
Após anos de experiência em cruzar a análise de dados com tecnologia biológica, essa empresa “enxuta, mas assertiva”, como descreve o fundador e CEO, Rafael de Souza, é composta por profissionais que sabem tanto de agronomia quanto de programação de algoritmos. A injeção de capital após duas rodadas de investimentos permitiu desenvolver os primeiros produtos, fechar os primeiros contratos e vislumbrar faturamento inicial, o que, para toda startup, significa que nadar muito permitiu chegar à praia e sobreviver no ramo.
A tecnologia usada, desenvolvida pela própria greentech, permite criar bioinsumos customizados, fabricados especialmente para resolver o problema que o cliente esteja enfrentando. Um benefício extremamente relevante é que o impacto ambiental tende a zero, preservando a qualidade do solo e da água, por exemplo, enquanto insumos químicos costumam deixar rastros indesejáveis. Entre as culturas onde essas soluções já são aplicadas no Brasil estão café, milho, algodão, cana, soja e tomate.
“Fungicida pode ser substituído por um microrganismo que tem o mesmo efeito. A solução é mais sustentável, esses microrganismos já existem na natureza, então o impacto é zero. A gente encontra os microrganismos benéficos e aumenta o número deles”, descreve Souza, que iniciou o negócio em 2021 com o sócio, Jader Armanhi, que dirige as operações da startup.
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Tendência recente, com expectativa boa para o Brasil
Os bioinsumos fazem parte de uma onda de modernização no escopo das greentechs do Brasil. Daniel Trento, assessor para a diretoria executiva de negócios da Embrapa, afirma que é uma tendência que ocorre de 2022 para cá, juntamente com a tokenização de ativos naturais, a regeneração florestal e o mercado de medição e certificação do sequestro de carbono.
“Um dos fatores para isso são os financiadores. Se as empresas e grupos de investimento apontam que precisam de soluções no campo climático, as soluções vão surgindo. Na questão de bioinsumos, o Brasil é um dos países que mais tem avançado no mundo, aproveitando a crise da Ucrânia e um ambiente regulatório facilitado, com trâmites no Ministério da Agricultura, algo que não observamos nem mesmo nos Estados Unidos. Na Europa, a França tem um mercado crescente e está vindo para o Brasil, algo que é saudável, gera cooperação, vem a startup e vem o investimento junto”, avalia Trento, que acumula experiência em inovação na Embrapa e no governo federal.
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Segundo estudos realizados em 2022 pela associação CropLife Brasil e a consultoria S&P Global, os bioinsumos devem gerar R$ 17 bilhões em negócios até 2030. De olho em uma fatia desse mercado, a Symbiomics firmou em 2023 uma parceria em que licencia produtos para a Stoller, grupo adquirido pela multinacional Corteva Agriscience em um negócio de US$ 1,2 bilhão no ano passado.
O grupo Corteva prevê que o mercado de produtos biológicos seja o segmento de proteção de cultivos com maior crescimento no agro, representando 25% do mercado total até 2035, se disseminando por plantações e também auxiliando na criação de gado, por exemplo.
No Brasil, nos últimos anos o registro de bioinsumos superou o de agroquímicos, afirmam dados da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP). Cerca de 90% da área voltada ao cultivo de cana de açúcar no país hoje utiliza algum tipo de solução natural no controle de pragas.
Modelo de negócio é criar e licenciar
A Symbiomics não busca tornar-se uma grande indústria de bioinsumos, mas sim um laboratório de ponta que cria e licencia fórmulas para grandes clientes. O financiamento recebido vem sendo aplicado em desenvolver ainda mais a tecnologia própria, que permite uma solução completa para chegar a fórmulas ideais de bioinsumos para diferentes finalidades.
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A greentech mantém quatro frentes de trabalho: nutrição vegetal, substituindo fertilizantes; bioestimulantes, que tornam as plantas mais resistentes à seca; biocontrole, para conter patógenos, agentes que causam doenças; e sequestro de carbono, fornecendo microorganismos que intensificam a absorção dessa substância pelo solo. Em sua forma final, os produtos podem ser comercializados em líquido, sementes e spray, a depender do uso.
Na tecnologia própria reside a vantagem competitiva da Symbiomics. “Nosso processo é rápido e de ponta a ponta. Desde a descoberta do microrganismo, desenvolvimento, marketing do produto, a gente ajuda a traduzir ao produtor a vantagem daquela tecnologia”, explica Souza. Ele compara a análise de dados à “retirada de um véu”, a partir de um passo a passo que começa na criação de um mapa da diversidade microbiana do ambiente, segue pelo sequenciamento do genoma local e, lançando mão dos algoritmos, eles identificam os melhores organismos para a planta e para a raiz. “Como nós mesmos fazemos a tecnologia, isso é um diferencial, e temos pesquisadores que têm esse know-how de análise de dados”, pontua.
É transgênico?
Apesar de envolver a genômica, ou seja, o manuseio dos genes dos microrganismos, os produtos formulados pela Symbiomics não podem ser classificados como transgênicos. Os bioinsumos fazem parte do que a Embrapa classifica como “inteligência agronômica”, um segmento entre as agtechs (startups do agro) especializado no controle de pragas e otimização de insumos, usando base bioquímica ou biológica, como é o caso da startup catarinense.
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O processo utilizado nessa agronomia tecnológica chama-se edição genômica, um método diferente do usado em produtos transgênicos, em que o resultado gera uma característica que não existia previamente (uma casca mais dura, resistência à praga etc). O que os técnicos da Symbiomics fazem, explica o CEO, é potencializar uma característica já existente nos microrganismos, acelerando o processo que acontece na natureza. Ele cita como exemplo a fixação biológica de nitrogênio.
“Bactérias pegam o nitrogênio do ar e o fornecem para a planta, no formato que ela precisa. É um dos insumos de maior dependência na agricultura, precisamos de altas doses de nitrogênio químico, que contamina o lençol freático, emite gases estufa, é algo grave. Os microrganismos não fazem esse processo de fixação a todo o momento, então nós modificamos o genoma deles para que eles produzam nitrogênio continuamente. A gente olha para a natureza, vê como acontece e programa ela. São mutações pontuais que já acontecem, então não é transgenia, é uma potencialização.”
O clima tropical é considerado por muitos uma vantagem para o desenvolvimento de soluções, por ser mais difícil e imprevisível. Nessa lógica, insumos produzidos para resolver problemas brasileiros são candidatos a resolver problemas do mundo, mesmo em lugares mais quentes ou frios. Contudo, no caso dos bioinsumos, a solução tende a ser sempre personalizada. “Um dos nossos diferenciais é descobrir microrganismos que funcionam no Brasil, Estados Unidos, solo arenoso, argiloso, para milho, soja, temos essa versatilidade. Mas não necessariamente o que funciona aqui vai funcionar no clima temperado”, afirma Souza.
Apetite dos investidores
Uma vez que o Brasil é uma potência agrícola, as cifras que compõem o universo das agtechs são proporcionais. Os investimentos de venture capital em startups focadas no agro chegaram a US$ 200 milhões (cerca de R$ 1 bilhão) em 2022, segundo o Relatório Radar Agtech 2023, da Embrapa.
“A natureza disruptiva e o potencial de escalabilidade das agtechs as tornam atraentes para uma variedade de investidores, desde capitalistas de risco até programas governamentais e fundos de impacto social. O desafio para os empreendedores está em identificar a fonte de financiamento mais adequada que se alinhe aos objetivos e à fase de desenvolvimento do seu negócio”, afirma o documento, que mapeou quase 2.000 startups no país apenas nesse nicho.
Contudo, esse ecossistema apresenta diversas soluções financeiras e de logística, por exemplo, que não necessariamente têm no objetivo uma contribuição direta para mitigar os efeitos da pecuária e da agricultura sobre o meio ambiente e o aquecimento global. As greentechs são uma parte dessa força, e precisam competir para superar o temido “Vale da Morte”, jargão do mercado para se referir ao período inicial do negócio, onde a sobrevivência costuma estar em jogo caso não haja investimento.
“A maior dificuldade em biotecnologia é o tempo de desenvolvimento. O agtech [padrão] tem retorno mais rápido, um dois anos está faturando, enquanto na biotecnologia demora mais, mas quando chega é maior. É preciso um investimento com olhar em longo prazo, um perfil que está se desenvolvendo aos poucos”, analisa Souza.
“Temos cases de sucesso”, destaca Embrapa
Um dos impulsos para a criação da Symbiomics foi justamente perceber o apetite que já existia fora do Brasil para investimentos em bioinsumos, enquanto por aqui o produto ainda não constava no menu do dinheiro. Tratava-se de um mercado reduzido a ponto de o primeiro investidor na greentech, a Vesper Ventures, ser à época a única com foco em soluções envolvendo microrganismos no campo. Esse vento, como prova a startup catarinense, está mudando. De lá para cá já foram mais rodadas e mais investimentos injetados.
“A princípio, o apetite maior está fora do Brasil, e ficamos contentes em fechar com investidores [brasileiros] com essa mentalidade. Em biotecnologia nossa situação é incomum com certeza” comenta o CEO.
Para Trento, que tem expertise em experiências público-privadas no setor de inovação, o Brasil precisa avançar no ambiente de negócio, desembaraçando questões regulatórias, burocracia para abrir uma empresa, o chamado “custo de empreender”. Mas, esse aperfeiçoamento exige trabalho constante, e o sucesso de hoje é resultado dos investimentos de ontem.
“Temos casos de sucesso, com o Brasil sendo um grande ambiente de inovação no agro. Há uma curva crescente [no agtech], os investimentos variam conforme o cenário mundial. No último ano diminuiu um pouco, mas continua havendo grandes oportunidades, movimentos de grandes grupos de investidores e do agro, investindo e adquirindo empresas.”