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Nova era? Cientistas estão mais perto de declarar que estamos no Antropoceno

Nova era? Cientistas estão mais perto de declarar que estamos no Antropoceno

Embora ainda se defina que época mais recente é o Holoceno, painel quer estabelecer unidade de tempo nova para a atualidade, marcada por interferência humana e aquecimento global

Um painel de cientistas quer declarar que vivemos em um novo intervalo de tempo geológico: o Antropoceno, “a era dos humanos”. No último dia 17 de dezembro, o grupo deu um grande passo para oficializar o novo período, ao completar a primeira de uma série de votações.

A informação sobre o avanço no debate foi divulgada pelo site The New York Times, que informa que o Grupo de Trabalho do Antropoceno tem deliberado sobre o assunto desde 2009. O painel é parte da Subcomissão de Estratigrafia Quaternária (SQS), órgão constituinte da Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS).

Nossa atual época geológica, o Holoceno, começou há 11,7 mil anos com o fim da última grande era glacial. O Antropoceno, segundo o painel que reúne 35 especialistas, seria uma unidade de tempo totalmente nova, iniciada em meados do século 20 e caracterizada por mudanças em escala planetária induzidas pelo homem que estão incompletas, mas em andamento.

A humanidade teria passado as últimas décadas no Antropoceno, um tempo amplamente utilizado desde a sua cunhagem por Paul Crutzen e Eugene Stoermer em 2000 para denotar o presente intervalo geológico. Neste período, “muitas condições e processos na Terra são profundamente alterados pelo impacto humano”, de acordo com o site do grupo de trabalho.

“Esse impacto se intensificou significativamente desde o início da industrialização, tirando-nos do estado do Sistema Terrestre típico da Época do Holoceno, posterior à última glaciação”, afirma o painel.

Entre as características do Antropoceno, os cientistas do grupo citam: um aumento de ordem de grandeza na erosão e no transporte de sedimentos associados à urbanização e à agricultura; perturbações antropogênicas dos ciclos do carbono, nitrogênio, fósforo e vários metais junto com novos compostos químicos; aquecimento global; aumento do nível do mar, acidificação dos oceanos e ainda a expansão das “zonas mortas” oceânicas.

Segundo os cientistas, vivemos em uma era com “mudanças rápidas na biosfera tanto em terra quanto no mar, como resultado da perda de habitat, predação, explosão de populações de animais domésticos e invasões de espécies”. Também temos uma “proliferação e dispersão global de muitos novos ‘minerais e rochas’, incluindo concreto, cinzas volantes e plásticos, e a miríade de ‘tecnofósseis’ produzidos a partir desses e de outros materiais”.

Votação em andamento

Os membros do grupo estão votando internamente sobre detalhes, incluindo quando exatamente eles acreditam que o Antropoceno começou. As votações, previstas para terminar no próximo trimestre, serão seguidas de uma proposta final, que será apresentada a três outros comitês de geólogos cujos votos tornarão a nova era geológica oficial ou a rejeitarão.

Os membros do grupo de trabalho também votaram este mês sobre qual posição o Antropoceno deveria ter na linha do tempo: uma época, uma era do Holoceno ou outra classificação.

Como quase todos os outros intervalos de tempo geológicos, o Antropoceno precisa ser definido por um local físico específico, onde o registro da rocha o diferencia do intervalo anterior. O grupo de trabalho já votou em 9 lugares candidatos, onde ocorreram interferência humana. Entre eles, estão o gelo da Península Antártica, uma baía no Japão e um recife de coral na costa de Louisiana, nos Estados Unidos.

Para avançar por cada comitê, 60% de cada um deles deverá aprovar a proposta do grupo. Se falhar em algum, o Antropoceno talvez não tenha outra chance de ser ratificado durante anos. Mas, se chegar até o fim, a linha do tempo alterada da geologia reconheceria oficialmente que os efeitos da humanidade no planeta encerraram o capítulo anterior da história da Terra. Isso reconheceria ainda que tais consequências serão perceptíveis nas rochas durante milênios ou mais.

“Se você estivesse nos anos 1920, sua atitude seria: ‘A natureza é muito grande para os humanos influenciarem'”, disse Colin N. Waters, geólogo e presidente do Grupo de Trabalho do Antropoceno,ao New York Times. “O século passado mudou esse pensamento. Foi um evento de choque, um pouco como um asteroide atingindo o planeta.”

Por outro lado, ainda há uma série críticas ao Antropoceno. Stanley C. Finney, secretário-geral da União Internacional de Ciências Geológicas, teme que o período tenha se tornado uma forma de os geólogos fazerem uma “declaração política”. Na extensão vasta do tempo geológico, este seria um pontinho ínfimo, segundo ele.

Outras unidades de tempo geológico são úteis porque orientam cientistas em épocas sem registros escritos, apenas observações científicas esparsas. O Antropoceno, pelo contrário, já foi documentado extensamente.”Para a transformação humana, não precisamos dessas terminologias, temos os anos exatos”, argumenta Finney, cujo comitê deve ser o último a votar na proposta, caso avance.

Para Lucy E. Edwards, cientista aposentada do Serviço Geológico dos Estados Unidos, todos criticam o Grupo de Trabalho do Antropoceno porque seus membros teriam demorado muito para sugerir a mudança perante as interferências humanas de longa data na natureza. “Em tempo geológico, isso não é muito”, ela opina.