Tempestades trazem microplásticos do mar para a terra firme, indica estudo
Pesquisa identifica tempestades tropicais como vetores eficientes de poluição, conectando crise climática e contaminação plástica em escala global
Tempestades tropicais – como tufões, furacões e ciclones –, sempre são associadas a ventos fortes, chuvas e destruição de casas e plantações. Mas, agora, um estudo inédito acrescenta um novo elemento invisível e igualmente preocupante: a dispersão de microplásticos, que estabelece uma ligação direta entre a poluição do planeta e as mudanças climáticas.
O trabalho foi conduzido por uma equipe internacional de pesquisadores, e seus resultados renderam a publicação de um artigo na última sexta-feira (12) na revista Environmental Science & Technology. Ali, os autores defendem que os sistemas meteorológicos formados sobre os oceanos são capazes de aspirar partículas microscópicas presentes na água contaminada por resíduos plásticos e enviá-las à terra firme.
Experimento natural
Para chegar a essas conclusões, a pesquisa concentrou sua análise na cidade de Ningbo, na costa leste da China, durante a passagem de três tufões, Doksuri, Gaemi e Bebinca. Ao longo desses eventos, os cientistas coletaram amostras da deposição atmosférica total a cada 12 horas, um nível de resolução temporal considerado essencial para capturar as mudanças associadas ao ciclo de vida das tempestades.
Os resultados foram claros. Em períodos de calmaria anteriores aos tufões, os níveis de deposição de microplásticos permaneceram relativamente estáveis. Com a chegada das tempestades, porém, as taxas aumentaram drasticamente e, em alguns casos, em até uma ordem de magnitude.
Durante o tufão Gaemi, o mais intenso dos três, a deposição atingiu o pico de 12.722 partículas por metro quadrado por dia. Esse valor foi diretamente correlacionado com o momento de maior intensidade da tempestade.
Assim que os tufões se afastavam da região, os níveis retornavam rapidamente ao padrão anterior. Em comunicado, os autores destacam que esse comportamento caracteriza um “pulso transitório” de poluição gerado pela própria tempestade, e não por fontes contínuas locais.
Evidências de uma origem marinha
Uma das principais questões enfrentadas pelos pesquisadores foi determinar a origem do plástico detectado: afinal, tratava-se de poeira urbana local ou de material transportado do oceano? A resposta veio da análise detalhada das próprias partículas.
Durante períodos sem tempestade, predominavam polímeros comuns em ambientes urbanos, como o tereftalato de polietileno (PET) e o nylon (NY). Já durante os tufões, a diversidade química aumentava de forma significativa. Foram identificados polímeros mais densos, como cloreto de polivinila (PVC), acrílico (AC) e politetrafluoroetileno (PTFE), típicos de sedimentos marinhos e do oceano profundo, mas raros no aerossol urbano de Ningbo. Após a passagem das tempestades, esses polímeros praticamente desapareciam das amostras.
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O tamanho das partículas reforçou essa conclusão. Mais de 60% dos microplásticos transportados durante os tufões tinham menos de 280 micrômetros. Estudos laboratoriais já demonstraram que o estouro de bolhas na superfície do mar (um processo intensificado por ventos extremos) lança preferencialmente partículas dessa faixa de tamanho na atmosfera.
Além disso, a modelagem das trajetórias das massas de ar mostrou que, nos momentos de maior deposição, os ventos haviam viajado diretamente sobre o oceano perturbado pela tempestade, e não a partir de áreas continentais. A consistência desses indícios, observada em três tufões distintos, levou os autores à conclusão de que as tempestades estavam transferindo microplásticos do oceano para a terra firme, conforme detalhado no comunicado.
Elo no ciclo global do plástico
Com base nos dados, os pesquisadores propõem um novo mecanismo no ciclo ambiental do plástico. A intensa energia dos tufões mistura verticalmente a camada superior do oceano, remobilizando partículas que estavam em profundidade. Na microcamada superficial, a combinação de ondas quebrando, turbulência extrema e estouro de bolhas ejeta os microplásticos para o ar, formando aerossóis marinhos contaminados.
O forte campo de ventos transporta esse material por centenas de quilômetros continente adentro. Por fim, as chuvas intensas associadas às tempestades atuam como um “filtro atmosférico”, removendo os microplásticos do ar e depositando-os no solo e em áreas urbanas. Um único sistema meteorológico, portanto, pode se tornar um meio dominante de dispersão de microplásticos atmosféricos em grandes regiões, segundo os autores do estudo.
A pesquisa também aponta para um possível ciclo de retroalimentação entre a intensificação das tempestades e a poluição plástica. Oceanos mais quentes, resultado do aquecimento global, fornecem mais energia para tufões mais intensos. Os dados indicam que justamente o tufão mais forte analisado foi o que transportou a maior quantidade de microplásticos.
Esse processo pode desencadear uma sequência preocupante: mudanças climáticas intensificam as tempestades; tufões mais fortes transferem mais microplásticos do oceano para a atmosfera; concentrações elevadas de microplásticos podem interferir nos ciclos biogeoquímicos marinhos, incluindo a capacidade do oceano de absorver carbono; ao mesmo tempo, águas mais quentes aceleram a fragmentação de resíduos plásticos. O resultado seria um sistema no qual aquecimento global e poluição se reforçam mutuamente
Riscos emergentes
Para cidades costeiras, as conclusões redefinem a noção de risco associada às tempestades. Além de ventos destrutivos e inundações, as tempestades passam a ser vistas como fontes de exposição a uma “nuvem invisível” de partículas plásticas potencialmente inaláveis. Embora os impactos diretos à saúde humana ainda estejam em investigação, os pesquisadores destacam que se trata de uma via de exposição difícil de evitar para populações inteiras.
O estudo também reforça a necessidade de estratégias integradas. A remoção de plásticos de rios, zonas costeiras e ambientes marinhos deixa de ser apenas uma ação de conservação ambiental e passa a ser encarada como medida de adaptação climática e de proteção da saúde pública. Reduzir a carga de plástico nos oceanos, segundo os autores, é uma forma indireta de “desarmar” as tempestades do futuro.
Acima de tudo, a pesquisa lança um alerta de alcance global. Os tufões, furacões e ciclones não respeitam fronteiras nacionais e podem redistribuir resíduos coletados em águas internacionais por vastas áreas continentais. Enfrentar esse problema exige o mesmo nível de cooperação internacional que a comunidade científica e política já reconhece como essencial para lidar com as mudanças climáticas.
