Mudanças climáticas afetam saúde e educação das crianças
Poluição do ar prejudica o desenvolvimento de crianças desde a gestação. E ondas de calor já comprometem o desempenho de estudantes
A influência das mudanças climáticas na infância vem sendo reforçada por pesquisas que mostram impactos diretos tanto na saúde quanto na educação. Dois estudos recentes indicam que a má qualidade do ar e o aumento das temperaturas já afetam o desenvolvimento infantil desde a gestação e comprometem a rotina escolar de milhões de crianças.
Um relatório do Early Childhood Scientific Council on Equity and the Environment (ECSCEE), ligado ao Center on the Developing Child da Universidade de Harvard, mostra que a exposição à poluição pode provocar danos significativos mesmo em níveis considerados baixos. Intitulado “A qualidade do ar afeta o desenvolvimento e a saúde na primeira infância” e traduzido pelo Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), o documento reúne décadas de pesquisas e revela que os efeitos começam antes do nascimento.
Segundo o estudo, partículas e compostos químicos inalados por gestantes atravessam a placenta e alcançam o feto, interferindo na formação dos pulmões, do cérebro e de sistemas como o imunológico e o endócrino. Durante a gravidez, mudanças hormonais e fisiológicas ampliam o volume de ar inspirado e expirado, fazendo com que a gestante inale mais poluentes que o habitual.
O relatório também aponta que a poluição do ar interno — em locais como escritórios, escolas, casas e veículos — pode ser de duas a cinco vezes maior que a do ar externo, segundo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA). Como as pessoas passam mais de 21 horas por dia em ambientes fechados, grande parte da exposição a poluentes externos ocorre dentro desses ambientes. O documento destaca ainda que partículas microscópicas, como o carbono negro, podem atravessar a placenta e alterar a expressão gênica do feto, aumentando o risco de baixo peso ao nascer e de parto prematuro.
A exposição durante a gestação e a primeira infância também está associada a maior probabilidade de asma, atraso no desenvolvimento cognitivo e alterações hormonais. Outro alerta do relatório é que alguns poluentes conseguem atravessar a barreira protetora do cérebro em fases críticas do desenvolvimento, afetando áreas ligadas à memória, ao aprendizado e à regulação emocional.

Desigualdades aprofundam o problema
O relatório destaca que fatores socioeconômicos e raciais amplificam o impacto da poluição. Famílias negras, hispânicas e de baixa renda tendem a viver próximas a rodovias e indústrias, áreas com moradias precárias e maiores concentrações de poluentes. Essas condições elevam a prevalência de asma e doenças respiratórias. Nos Estados Unidos, eliminar fatores de risco residenciais poderia reduzir em 44% os casos de asma diagnosticada em crianças menores de seis anos. Além disso, a combinação entre poluição e estresse intensifica processos inflamatórios, aumentando o risco de doenças crônicas como diabetes, enfermidades cardíacas e depressão.
O relatório de Harvard recomenda melhorar a ventilação e a filtragem do ar com o uso de filtros HEPA e manutenção de sistemas HVAC, substituir materiais de construção e produtos de limpeza que liberam compostos orgânicos voláteis (COVs), implementar barreiras de vegetação próximas a vias de tráfego intenso capazes de reduzir em até 60% as partículas poluentes, promover a transição energética diminuindo o uso de fogões e aquecedores a gás e aprovar normas específicas para a qualidade do ar interno baseadas em evidências científicas. “Garantir ambientes internos e externos saudáveis é essencial para que todas as crianças possam crescer, aprender e prosperar”, reforça o relatório.

Ondas de calor já afetam ensino e aprendizagem
No mesmo dia em que teve início a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), o UNICEF chamou a atenção para outro efeito das mudanças climáticas sobre as crianças: o impacto das ondas de calor na educação. Segundo a organização, o aumento das temperaturas tornou-se um obstáculo silencioso à concentração, ao desempenho e ao bem-estar de estudantes e professores.
Para tornar o problema visível e sensorial, o UNICEF instalou, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a “Estufa Improvável”, uma sala de aula cenográfica transformada em estufa com temperatura de 38°C. A iniciativa busca demonstrar como o calor extremo prejudica a rotina escolar — em algumas regiões, as temperaturas durante ondas de calor tornam os ambientes de ensino “verdadeiras estufas”.
“As crianças são mais vulneráveis aos impactos das crises relacionadas com o clima, incluindo ondas de calor, tempestades, secas e inundações mais fortes e mais frequentes”, afirma Mônica Dias Pinto, chefe de Educação do UNICEF no Brasil. Ela destaca que o calor excessivo compromete a concentração, o conforto térmico e até o acesso à escola. “Muitas não conseguem chegar à escola se o caminho estiver inundado, se os rios estiverem secos, ou se as escolas forem destruídas ou usadas como abrigos”, explica.
Segundo Mônica, a instalação busca “chamar a atenção do público, durante a COP30, para a importância de os governos adaptarem as escolas para as condições climáticas atuais, reconstruírem escolas hoje localizadas em áreas de risco e promoverem soluções para mitigar problemas de acesso em contextos climáticos adversos”.
Além da experiência imersiva, crianças que visitaram a instalação participaram, no dia 11 de novembro, de atividades educativas sobre os impactos das mudanças climáticas em suas rotinas escolares. O projeto foi idealizado pela agência Artplan para o UNICEF e desenvolvido com a produtora Genco. “A ‘Estufa Improvável’ parte de uma pergunta objetiva: como traduzir um dado científico em uma experiência que gere compreensão imediata?”, explicam Pedro Rosas e Pedro Galdi, diretores de criação da Artplan.
Temperatura em alta, aprendizado em queda
Dados do UNICEF mostram que o desempenho escolar diminui conforme a temperatura sobe. Em 2024, ao menos 242 milhões de estudantes em 85 países sofreram impactos em sua vida escolar devido a eventos climáticos. As altas temperaturas foram o principal motivo de fechamento de escolas, afetando mais de 118 milhões de estudantes apenas em abril daquele ano.
Pesquisas indicam que cada aumento de 0,5°C no ambiente reduz o rendimento escolar em cerca de 1%. Em salas com 35°C, estudantes apresentam mais cansaço, menor produtividade e maior dificuldade de concentração do que em ambientes entre 20°C e 25°C.
Atualmente, um terço das crianças do mundo enfrenta de quatro a cinco ondas de calor por ano, com exposição prolongada a temperaturas acima de 35°C por mais de 80 dias anuais, períodos de calor de pelo menos cinco dias consecutivos ou temperaturas 2°C acima da média local. Se nenhuma medida for tomada, até 2050 quase todas as crianças do planeta — cerca de 2,2 bilhões — estarão expostas a ondas de calor frequentes.
