COP30: A Conferência Que Quase Foi — E o Mundo Que Não Pode Esperar
Entre avanços simbólicos, decisões tímidas e mapas do caminho que nasceram fora da sala, Belém entrega ao planeta um resultado que não condiz com a urgência climática
Eu confesso: voltei de Belém com um nó na garganta. Não daquele tipo bonito, que vem depois de assistir a um pôr do sol no Guamá ou de ver povos indígenas marchando com dignidade pelas ruas. É o outro nó — aquele que pesa, que incomoda, que deixa a gente meio indignado com a distância absurda entre o tamanho do problema e o tamanho das decisões.
A COP30 foi vendida como A COP da Verdade. E até foi, em certo sentido: ela escancarou a verdade inconveniente de que o multilateralismo climático está exausto, de que a ambição política anda manca e de que boa parte do mundo ainda trata a emergência climática como um detalhe burocrático — desses que dá para empurrar para outra COP, outro relatório, outra presidência.
Só que o planeta não espera, né? O planeta não tem paciência diplomática.
Belém brilhou — mas o texto final não acompanhou o brilho
Vamos aos fatos, porque eles são teimosos:
- Tivemos a primeira cúpula de líderes antes da abertura oficial de uma COP.
- Vimos um incêndio em um pavilhão (metáfora perfeita do clima político).
- Acompanhamos o presidente da conferência, o embaixador André Corrêa do Lago, fazer algo inédito: criar dois mapas do caminho “de ofício”, porque a plenária não teve coragem de aprová-los.
Sim, você leu certo: a principal vitória política da COP não está nas decisões formais, mas num movimento paralelo, quase um ato de resistência institucional.
E isso diz muito sobre onde estamos enquanto humanidade.
Os tais avanços que todo mundo cita… mas com lupa
Sim, tivemos conquistas. E elas são reais. Mas também são, em vários casos, insuficientes — como quem monta um quebra-cabeça e esquece as peças do meio.
✔ Inclusões históricas
Pela primeira vez, populações afrodescendentes foram reconhecidas em vários textos da UNFCCC. Os direitos territoriais dos povos indígenas ganharam espaço. O CLPI aparece com força.
Isso é enorme, simbólico, estruturante.
Mas também mostra outra verdade: demorou demais. E ainda falta muito.
✔ Adaptação: um avanço… pela metade
A adoção dos indicadores da Meta Global de Adaptação (GGA) foi uma vitória.
Mas os países reduziram os indicadores, esvaziaram parte da ambição e adiaram refinamentos para as próximas COPs.
A Visão Belém–Addis ficou bonita no papel. Mas, como disse uma negociadora, bonito no papel é o que mais tem na UNFCCC.
✔ Transição justa: nasce o BAM
O Mecanismo de Ação de Belém é promissor.
Traz linguagem de direitos humanos, gênero, justiça social, povos indígenas.
Só que… ainda é o rascunho do rascunho.
O desenho final fica para “as próximas COPs”. A expressão clássica.
✔ Medidas unilaterais de comércio
O diálogo de 3 anos é um alívio para países em desenvolvimento.
Mas diálogo não derruba barreira tarifária. Diálogo não põe dinheiro na mesa.
Agora, o ponto fraco — e ele é bem fraco mesmo
Financiamento climático: o mesmo filme repetido
Era para ser a COP da implementação.
Mas você já tentou implementar algo… sem dinheiro?
Pois é.
- Triplicar financiamento para adaptação?
Ficou para 2035. Com base vaga. Sem lastro. Sem garantia. - Artigo 9.1 (financiamento público obrigatório dos países ricos)?
Vira “programa de trabalho”, versão diluída de compromisso.
Se fosse um filme, Belém seria aquela sequência em que o herói promete voltar “com mais recursos na próxima temporada”. Só que a série está quase sendo cancelada pelo aquecimento global.
Combustíveis fósseis: o elefante na sala
Lula colocou o tema na Cúpula de Líderes.
Colômbia puxou um roadmap.
82 países apoiaram a ideia de discutir o fim dos fósseis.
Mas na negociação oficial?
Silêncio constrangedor.
O Mutirão Global engoliu o tema — e não devolveu.
E o oceano? Bem… o oceano merece mais do que recebeu
Mesmo com avanços:
- o Blue NDC Challenge,
- o “Pacote Azul”,
- a articulação científica e política inédita,
a menção ao oceano no texto final é tímida.
Tímida demais para quem sustenta o clima global, regula a vida na Terra e absorve mais de 90% do calor do planeta.
Belém poderia ter feito história.
Fez uma parte dela.
Mas deixou o resto para Turquia, Colômbia e — claro — para o oceano suportar sozinho.
Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP e Coordenador da Cátedra UNESCO para a sustentabilidade do Oceano, foi enfático: “O resultado da COP30 em relação ao oceano é desconcertante.” “Não quero dizer que morremos na praia… mas podíamos ter ido mais longe.”
Marina Corrêa, do WWF, resumiu bem: “A agenda do oceano avança, mas a implementação ficou devendo.”
Carolina Pasquali, do Greenpeace, foi mais direta:
“Prêmio de consolação.”
O lado que deu certo — porque sempre tem um lado que dá certo
A verdade é que, fora das salas de negociação, a COP30 foi brilhante.
- Marchas históricas.
- Quatro terras indígenas homologadas.
- Reuniões paralelas potentes.
- Participação recorde de povos, movimentos e territórios.
- Iniciativas inéditas de ação climática.
- E um feito técnico importantíssimo:
130 mil toneladas de CO₂ compensadas, certificadas pela ONU, tornando a COP30 oficialmente carbono zero.

Um marco. Um exemplo global.
Isso precisa ser celebrado — e replicado.
Mas precisamos ser honestos: Belém merecia mais
E não falo só como jornalista.
Falo como pessoa que esteve lá, sentiu a energia, viu a floresta à beira da cidade, ouviu lideranças dizendo que não dá para esperar mais cinco anos, dez anos, mais um relatório científico.
A COP30 poderia ter sido o grande ponto de virada.
Acabou sendo a COP do “quase”.
Quase incluímos os fósseis.
Quase garantimos financiamento.
Quase demos saltos.
Mas o clima não vive de quase.
E agora?
Agora, 2026 será o ano mais importante da diplomacia climática desde Paris:
- Conferência internacional sobre fósseis na Colômbia.
- Relatório dos roadmaps criado pela presidência brasileira.
- Pressão global para a COP31 destravar o que Belém não conseguiu.
Belém não foi o túmulo do Acordo de Paris — como alertou Claudio Angelo.
Mas também não foi o renascimento que o mundo precisava.
Foi o espelho.
E às vezes o espelho é cruel.
No fim das contas, o legado da COP30 é uma pergunta
Estamos dispostos a tratar a crise climática com a urgência que ela exige?
Porque, se a resposta for não,
não é Belém que falhou.
