Financiamento climático foca em energia e deixa floresta de lado
Baixo investimento revela como o papel da floresta na agenda do clima ainda é uma oportunidade subaproveitada, diz relatório
A expansão da energia solar contribuiu para a maior parte dos investimentos climáticos no Brasil entre 2019 e 2023. No período, o financiamento do setor passou de US$ 9,5 bilhões (R$ 50,6 bilhões) para US$ 22,4 bilhões (R$ 119,3 bilhões).
Ao mesmo tempo, o setor de florestas recebeu apenas 1% do total de recursos climáticos, passando de US$ 1,5 bilhão (R$ 7,9 bilhões) em 2019 para US$ 254 milhões (R$ 1,3 bilhão) em 2023.
“O baixo investimento no setor de florestas revela como o papel delas na agenda do clima ainda é uma oportunidade subaproveitada. Para avançar no combate às mudanças climáticas, as florestas precisam ser compreendidas como ativos centrais”, afirma Juliano Assunção, diretor-executivo do Climate Policy Initiative/PUC-Rio, responsável pela divulgação do relatório no contexto da COP30.
O financiamento climático no Brasil mais do que dobrou entre 2019 e 2023, alcançando US$ 67,8 bilhões (R$ 361,2 bilhões). Na COP29, negociadores se comprometeram a mobilizar US$ 300 bilhões (R$ 1,5 trilhões) até 2035, apesar de as estimativas apontarem para a necessidade de US$ 1,3 trilhão (R$ 6,9 trilhões) para garantir ações concretas nos países em desenvolvimento.

No Brasil, além do setor de energia, o financiamento climático também tem tido destaque na agropecuária e outros usos da terra: passou de US$ 14,9 bilhões (R$ 79 bilhões) para US$ 28 bilhões (R$ 149 bilhões) em três anos.
O crescimento foi motivado pelo grande investimento em culturas sustentáveis, agrossilvicultura e pecuária. O crédito rural alinhado ao clima e equity foram os principais instrumentos financeiros (71%).
De onde vem o dinheiro?
Fontes domésticas tanto públicas quanto privadas foram responsáveis por 90% do financiamento total mapeado entre 2019 e 2023. A proporção entre recursos domésticos e internacionais segue o padrão observado em outros países do BRICS, como Índia e África do Sul, segundo o relatório.
Fontes privadas foram responsáveis por mais de 2/3 do total mapeado, somando US$ 45,1 bilhões (R$ 240 bilhões). Dentre elas, destacam-se instituições financeiras comerciais (US$ 23,5 bilhões ou R$ 125 bilhões), domicílios/indivíduos (US$ 11,3 bilhões ou R$ 60,2 bilhões) e empresas (US$ 10,2 bilhões ou R$ 54,3 bilhões).
No caso do financiamento público, o governo federal e o BNDES foram as principais fontes, tendo fornecido ¾ do financiamento em 2022/23. Nesse biênio, o BNDES liderou o financiamento, desembolsando US$ 7,2 bilhões (R$ 38,3 bilhões), predominantemente para empréstimos de baixo custo e crédito rural alinhado ao clima.

O governo federal forneceu uma média de US$ 6,6 bilhões no mesmo período, dividido entre gastos públicos com o clima e crédito rural alinhado ao clima. Entre 2019-2023, o Executivo mais que dobrou o financiamento para o clima. O crescimento foi impulsionado tanto por investimento específico em clima quanto pelo crédito rural alinhado ao clima.
“A proporção observada entre financiamento doméstico e internacional mostra o avanço na agenda do clima nacional e, ao mesmo tempo, a ausência de estruturas internacionais para lidar com a crise climática da maneira necessária. Um mundo que se preocupa com o clima deve investir no Brasil. Na ausência de ação internacional, grande parte da ação climática tem acontecido em nível nacional”, explica Assunção.
Mitigação climática
O relatório também mostra que 79% do total do financiamento climático foi destinado à mitigação climática, refletindo o grande predomínio dos investimentos em sistemas energéticos e agricultura sustentável.
No entanto, apenas 7% foram destinados à ação de adaptação. Já o financiamento para perdas e danos, apesar de representar 3% do financiamento, aumentou exponencialmente durante o período analisado.
Já o financiamento destinado a objetivos duplos somaram 11%, sendo a maioria para projetos de Agropecuária, Florestas e Outros Usos da Terra (AFOLU) e de água e saneamento. A maior parte dos investimentos do BNDES gerou benefícios climáticos duplos, mostrando sinergias no setor de água e saneamento entre mitigação (emissões de metano) e adaptação (acesso à água potável e saneamento).

“Considerando os crescentes riscos climáticos enfrentados pelo Brasil e a incidência cada vez mais frequente de eventos climáticos extremos, observamos um investimento mínimo em adaptação climática. No caso de perdas e danos, observamos o custo da inação. Saímos de US$ 0,2 bilhão em 2019 para US$ 2,2 bilhões em 2023. E em 2024, em razão da catástrofe no Rio Grande do Sul, atingimos US$ 8,1 bilhões”, destaca Assunção.
O estudo parte da metodologia do Climate Policy Initiative Global que mapeia financiamento climático em todo mundo há mais de 10 anos. O objetivo do mapeamento é fornecer uma linha de base para acompanhar os investimentos alinhados a objetivos climáticos nos próximos anos. A versão completa do relatório será lançada após a COP30.
