COP30 traz à mesa o potencial da Inteligência Artificial para proteger florestas e o clima
Tecnologia tem aplicabilidade diversa, do monitoramento do desmatamento ao aconselhamento de contratos de restauração e identificação espécies no Brasil
O uso de IA (Inteligência Artificial) para entender fenômenos naturais e analisar dados ambientais tem sido objeto de pesquisa e desenvolvimento desde a década de 1980. Porém, a evolução deste ramo da tecnologia nos últimos anos vem impulsionando a capacidade brasileira de prever fenômenos climáticos críticos, bem como aprimorar o acompanhamento de grandes extensões de terra do início ao fim de projetos de restauração, essenciais para a manutenção de um clima equilibrado.
Os dois primeiros dias da 30ª Conferência do Clima da ONU, que começou na segunda-feira (10) em Belém (PA), dedicados a temas como Adaptação, Cidades e Infraestrutura, traz um olhar especial para o potencial da Inteligência Artificial na proteção do clima e das florestas, que são talvez o maior exemplo de infraestrutura verde, essenciais ao sustento da vida e sinônimo de resiliência climática. No primeiro dia da cúpula, foi lançado o Instituto de Inteligência Artificial, uma iniciativa global que busca apoiar governos no desenvolvimento de soluções tecnológicas voltadas à ação climática. Por isso, Um Só Planeta conversou com três grandes organizações que usam IA para proteger e regenerar florestas no Brasil.
A versatilidade impressiona: a aplicabilidade da tecnologia vai do monitoramento do desmatamento, passando por identificação espécies da fauna e flora, até ao aconselhamento de contratos de restauração.
O Inpe (instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), agência que monitora oficialmente o desmatamento e os incêndios florestais no país, está aprimorando a nitidez das imagens captadas via satélite e também usando IA para upgrades na capacidade de previsão de temperatura, situações de granizo, raios, manchas de óleo no oceano e também a temperatura dos mares.
A re.green, uma das maiores empresas do Brasil em regeneração de florestas e comercialização de créditos de carbono de alta qualidade, abriu para a reportagem um pouco de seu processo de estudo, aquisição e acompanhamento de projetos em terras de grande extensão no país, tudo com avaliações e diagnósticos a partir de IAs treinadas.
No caso da Morfo, que se destacou no mercado pelo seu uso intensivo de drones para semear e monitorar novas florestas, as IAs embarcam nos dispositivos voadores, e assim conseguem fazer em minutos um trabalho que levaria horas ou dias com recursos exclusivamente humanos. Com um único drone equipado com câmeras que alimentam softwares exclusivos, a startup consegue monitorar até 700 hectares por dia.
Inpe: monitorar mais, mais rápido e alertar com antecedência
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Em outubro, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação anunciou uma nova ferramenta disponível na plataforma Terra Brasilis, que reúne mapas de monitoramentos de desmatamento gerados pelo Inpe e parceiros. O Deforestation Prediction System utiliza inteligência artificial para prever, com até 15 dias de antecedência, áreas de maior risco de desmatamento e de queimadas na região selecionada na tela pelos usuários cadastrados.
“Ao conseguir antecipar o local do desmatamento, aumentamos a chance de as equipes de fiscalização chegarem em tempo aos locais onde o desmatamento está ocorrendo e evitar que ele aumente”, afirmou a pesquisadora Ana Paula Aguiar, do Inpe, à imprensa oficial.
Ferramentas de IA ajudam as equipes do Inpe a separar imagens de satélite, identificando quais são as mais próprias para análise, ou impróprias, quando são prejudicadas por nuvens, por exemplo. O olho afiado da IA adianta o trabalho dos pesquisadores ao identificar pontos de interesse em mapas que cobrem 800 quilômetros quadrados de território em um único dia, afirma o instituto em nota. Estas ferramentas reconhecem áreas desmatadas, deslizamento de terra e alagamentos, ajudando a identificar mais rapidamente as áreas afetadas.
Todo trabalho de filtro feito pela IA em geral é refinado por um analista humano, afirma o Inpe.
Na parte de previsão do tempo, o Inpe afirmou estar desenvolvendo um novo sistema, MAPNet, que vai combinar previsões de diferentes modelos atmosféricos e dados observados para corrigir possíveis erros que ocorrem hoje. “O objetivo é fornecer previsões de temperatura mais precisas com até 72 horas de antecedência, ajudando em decisões importantes, como planejamento agrícola e mitigação de eventos climáticos extremos”, aponta o instituto.
Áreas de aplicação de IA no Inpe
- Controle do desmatamento
- Produtividade de lavouras
- Previsão de geada, raios e granizo
- Medição da temperatura da superfície do oceano
- Previsão de eventos climáticos extremos
- Monitoramento de manchas de óleo no mar
Re.green tem na IA uma parceira para avalizar novos negócios
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A empresa de restauração florestal re.green já plantou mais de 4,5 milhões de mudas e conta cerca de 26 mil hectares em regeneração. Pioneira no mercado de carbono no país, com clientes internacionais como Microsoft e Nestlé, anunciou no último dia 4 seu primeiro contrato com uma empresa brasileira, a Vivo, para nos próximos 30 anos preencher aproximadamente 800 hectares de floresta com o plantio e conservação de cerca de 900 mil árvores de espécies nativas, em uma das regiões mais desmatadas da Amazônia, entre o oeste do Maranhão e o leste do Pará.
Antes de fechar suas parcerias, a empresa alimenta um catálogo interno de terras ideais para o trabalho de restauração, atendendo preocupações com a propriedade do terreno, sua localização e necessidades logísticas, como a disponibilidade de sementes e mudas por perto.
Quem avalia fatores de risco primeiramente e classifica negócios em potencial é uma IA treinada pelos pesquisadores.
“Cada nova propriedade inserida no sistema passa por um modelo espacial de classificação treinado com dados das nossas próprias áreas de restauração. Isso nos permite identificar com precisão as áreas restauráveis e definir o modelo de restauração mais adequado para cada caso. A plataforma gera automaticamente um perfil técnico completo, incluindo informações sobre clima, tipo de solo, vegetação, topografia, risco de incêndio e indicadores socioambientais”, detalha Arthur Lisboa, gerente de tecnologia da re.green.
O time técnico ensina o algoritmo a reconhecer padrões nas imagens de satélite. Com isso, reduz o erro nas estimativas e aumenta a consistência dos resultados em escala. A plataforma conecta ainda o modelo espacial (de avaliação de terreno) a um modelo financeiro automatizado, que projeta o retorno de cada área com base em diferentes tipos de contrato e curva de carbono, a partir do crescimento estimado das mudas. “Essa integração entre tecnologia, ciência e finanças nos permite priorizar as análises técnicas e estruturar negociações de forma mais eficiente”, observa Lisboa.
A empresa usa ainda torres de monitoramento equipadas com inteligência artificial para detecção de incêndios, que identificam focos em tempo real e enviam alertas automáticos às equipes em campo, protegendo as áreas em restauração e o crédito de carbono nelas estocado.
Morfo ‘vê tudo de cima’ com drones conectados à IA
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“Combinamos ciência do solo, cápsulas de sementes, IA e drones para restaurar fertilidade e biodiversidade.” Assim a Morfo descreve seu negócio, que se concentra especialmente no Brasil. Empresa franco-brasileira, foi fundada em maio de 2021 por dois irmãos, Hugo e Pascal Asselin, que cresceram na Guiana Francesa, perto da floresta amazônica.
Sem foco no mercado de carbono, a atividade-fim da Morfo é plantar e fazer crescer florestas nativas. Usando o suporte de drones em grande parte da sua operação, reduzindo custos e tempo empregado, a empresa desenvolve softwares próprios com apoio de IA desde a semeadura até o monitoramento do crescimento das plantações. Um único aparelho consegue varrer 700 hectares por dia, podendo arremessar sementes em cápsulas, ou ainda identificando espécies invasoras.
As operações usam um pacote de ferramentas com IA para o modelo de negócio da Morfo, que cobra por hectare trabalhado em contratos de pelo menos cinco anos.
O TreeID identifica espécies de árvores a partir de fotos tiradas em campo. Segundo a empresa, a ferramenta alcança 93% de precisão em cerca de quinze espécies entre as mais utilizadas nos projetos de restauração ecológica. “Sua exatidão melhora continuamente graças aos dados coletados durante o monitoramento de mais de 1.000 hectares de áreas restauradas”, explica nota enviada a Um Só Planeta.
Já o SeelingID automatiza o reconhecimento de mudas a partir de imagens de drones. O sistema analisa fotos aéreas captadas nos primeiros meses após o plantio (entre 2 e 12 meses), faz a identificação das espécies e contagem das mudas de um hectare em minutos, sem a necessidade de enviar pessoas a campo. “Para efeito de comparação, esse mesmo trabalho exigiria um dia inteiro de campo para uma equipe de 2 a 4 pessoas, entre coleta de imagens, medições e reconhecimento manual das espécies. Graças ao aprendizado de máquina, se torna mais preciso a cada nova missão.”
O planejamento da empresa consiste em plantar 1,2 bilhão de árvores até 2030. O Desafio Amazônia 500, por exemplo, é um projeto colaborativo que pretende restaurar 500 hectares de Floresta Amazônica na região metropolitana de Belém. Já em Crique Korossibo, no noroeste da Guiana Francesa, um trabalho que começou em 20 hectares hoje se expandiu para 100. A Morfo possui ainda operações na Mata Atlântica e no Cerrado.
