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Emissões globais caem pela primeira vez

Emissões globais caem pela primeira vez

A curva finalmente começa a dobrar – países apresentam o conjunto mais robusto de compromissos climáticos da história

É raro poder escrever uma boa notícia quando o assunto é crise climática. Mas hoje — 28 de outubro de 2025 — é um desses dias.
O novo Relatório de Síntese da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) traz uma mensagem inédita e poderosa: as emissões globais estão, pela primeira vez, começando a cair.

Não é um salto, ainda não é a virada definitiva, mas é o primeiro sinal concreto de que a humanidade começa a “dobrar a curva” das emissões. E, no meio de tanto colapso anunciado, isso soa como um respiro.

Quando a curva dobra, o planeta respira

O documento avalia os planos climáticos nacionais (NDCs) entregues até 30 de setembro de 2025 — e o que ele mostra é encorajador:

  • 88% das novas metas levam em conta o Global Stocktake (GST) da COP28, em Dubai.
  • 89% abrangem toda a economia (“economy-wide”), incluindo energia, indústria, transporte, agricultura e resíduos.
  • 73% já trazem planos de adaptação às mudanças do clima.
  • Cerca de um terço inclui medidas sobre Perdas e Danos, principalmente entre os pequenos Estados insulares — os mais vulneráveis à elevação do nível do mar.
  • E há um dado simbólico e inspirador: 78% das novas NDCs mencionam o oceano, um salto de 39% em relação aos compromissos anteriores.

Sim, o mar — esse gigante silencioso que regula o clima do planeta — está finalmente ganhando o protagonismo que merece nas políticas globais.

Se tudo o que foi prometido sair do papel, o mundo pode reduzir as emissões em cerca de 10% até 2035.
É pouco diante do que a ciência pede (o IPCC fala em 60%), mas é o começo do movimento que o século 21 mais precisa ver: a queda sustentada do carbono.

Um sinal de esperança, mas com senso de urgência

O secretário-executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell, foi direto:

“A humanidade está, pela primeira vez, claramente achatando a curva da trajetória das emissões — embora ainda não com a velocidade necessária. A direção está melhorando a cada ano, mas precisamos de mais velocidade.”

Essa frase, por si só, resume o sentimento do relatório: há progresso, mas não tempo a perder.
Como disse Bruno Hisamoto, do Instituto ClimaInfo, “a queda de 10% até 2035 é pequena comparada aos quase 60% necessários para limitar o aquecimento global a 1,5°C”.

E é exatamente aí que entra o papel da COP30, que será realizada em Belém (PA) em novembro de 2025.
Será a hora de transformar essas promessas em compromissos vinculantes, e os compromissos em ação concreta.

O novo mapa da transição

O relatório também revela algo mais sutil — e profundo: a mudança de mentalidade.
As NDCs estão se tornando planos nacionais de investimento sustentável, como destacou Maria Mendiluce, da We Mean Business Coalition:

“As NDCs são o prospecto de investimento de um país — o sinal mais claro aos mercados sobre onde política e oportunidade irão se alinhar.”

Traduzindo: governos e empresas já entendem que sustentabilidade não é custo, é competitividade.
Quando os incentivos favorecem o limpo em vez do fóssil, o capital flui — e surgem empregos, inovação e estabilidade.

Além disso, 89% dos países agora incluem informações sobre gênero, e 80% dizem considerar a igualdade na implementação de suas NDCs.
Mas a especialista Leticia Leobet, do Instituto da Mulher Negra Geledés, alerta:

“Essa inclusão precisa ir além da retórica e se traduzir em mecanismos concretos de equidade. É urgente reconhecer raça e gênero nas políticas climáticas.”

Ela destaca que o Brasil é um dos poucos países que já incluem raça e gênero em sua NDC — e que isso mostra ser possível construir compromissos que enfrentam o racismo ambiental e as desigualdades históricas.

O que vem pela frente

Como jornalista que cobre meio ambiente há quase duas décadas, confesso que ler este relatório me causou um misto de alívio e inquietação.
Alívio, porque vejo o esforço coletivo ganhando forma.
Inquietação, porque ainda estamos muito aquém do necessário para garantir que o planeta continue habitável nas próximas gerações.

Há um abismo entre as metas e a realidade. Mas é um abismo que pode ser atravessado — com ciência, vontade política, e coragem.

Energy & Climate Intelligence Unit (ECIU) mostra que a transição energética está avançando mais rápido que o previsto em 2015: energias renováveis, veículos elétricos e investimentos verdes estão superando expectativas.
Isso significa que a rota existe — só falta pisar no acelerador.

O Brasil e o papel da COP30

E aqui entra o Brasil — país que sediará o encontro que pode mudar tudo.
A COP30 será o momento de virar a página do discurso para a implementação, e de colocar o nexo clima-biodiversidade-oceano no centro da política global.

Com sua matriz energética relativamente limpa, liderança na bioeconomia e protagonismo diplomático, o Brasil pode ser o elo entre Norte e Sul — entre a esperança e a ação.

O recado do relatório é claro: a curva está dobrando, mas precisamos empurrar juntos.
É hora de acelerar o passo, abandonar o fóssil, e fazer o verde crescer em escala planetária.

Para refletirmos

Sabe quando o coração acelera com a sensação de que algo está mudando — devagar, mas mudando?
É assim que me sinto ao escrever esta matéria.
Porque pela primeira vez, em muitos anos de cobertura ambiental, vejo o verbo “diminuir” associado às emissões globais.
E isso, para mim, é motivo de esperança.

Ainda falta muito, é verdade. Mas talvez seja isso o que nos move: a consciência de que estamos atrasados, mas ainda há tempo de fazer diferente.
Se a curva começou a cair, que ela nunca mais volte a subir.

Indicador Resultado
NDCs avaliadas até 30/09/2025, cobrindo 1/3 das emissões globais
Metas “economy-wide” 89%
Metas com adaptação 73%
Referência ao oceano 78% (aumento de 39%)
Inclusão de gênero 89%
Referência a perdas e danos 1/3 das NDCs
Redução estimada de emissões até 2035 ~10%
País anfitrião da próxima COP Brasil 🇧🇷 (Belém, 2025)