Biomimética: quando a natureza vira professora e inspira a inovação nas universidades

Da asa do beija-flor ao casco da tartaruga, estudantes da USP aprendem com a natureza a criar soluções sustentáveis e tecnológicas — e redescobrem, nesse processo, a beleza de pensar como o planeta
Há algo de mágico quando ciência e poesia se encontram. É isso que sinto ao falar sobre biomimética — essa ponte encantadora entre o mundo natural e o humano. A ideia é simples, mas revolucionária: aprender com a natureza, e não apenas sobre ela. E quando esse aprendizado chega às salas de aula, como acontece agora na USP com a nova disciplina “Fundamentos de Biomimética”, o impacto é transformador.
Aprender com a natureza: o novo laboratório da inovação
Criada pelo Instituto de Biociências (IB) da USP, em parceria com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), a disciplina nasceu de uma provocação da professora Denise Selivon Scheepmaker, que enxergou na biomimética uma oportunidade de conectar mundos — biologia, design, engenharia, psicologia, arquitetura. Tudo junto e misturado, como a própria natureza faz.
“É uma área essencialmente interdisciplinar”, explica Denise. E ela tem razão. Afinal, se olharmos atentamente, a natureza é o maior laboratório de design e eficiência que existe. A teia de aranha é mais resistente que o aço, o voo do beija-flor desafia a aerodinâmica, e o sistema de ventilação de cupinzeiros africanos inspirou arranha-céus com eficiência energética exemplar.
O mais bonito é ver essa curiosidade florescendo em sala. A procura pelo curso superou o número de vagas. Estudantes de mais de dez unidades da USP se inscreveram, mostrando que as novas gerações estão com fome de conhecimento que faça sentido — conhecimento que una tecnologia e sustentabilidade.
A interdisciplinaridade como caminho
A proposta do curso é simular um ambiente de pesquisa real, em que diferentes especialidades trabalham lado a lado. É um verdadeiro exercício de escuta, empatia e colaboração — virtudes tão necessárias quanto o próprio conhecimento técnico. “A disciplina busca promover a comunicação entre diferentes áreas e propor projetos tecnológicos biomiméticos”, explica Denise.
Esse tipo de aprendizado é raro e precioso. Num mundo em que o ensino ainda insiste em compartimentalizar saberes, a biomimética chega como um convite à integração. E, mais do que isso, à humildade: reconhecer que a natureza já resolveu, há bilhões de anos, muitos dos problemas que ainda tentamos entender.
Quando o planeta inspira tecnologia
A biomimética é um campo fértil, e os exemplos são inúmeros — de soluções simples a criações de ponta:
- Despoluição da água: uma tecnologia que imita os tentáculos da anêmona-do-mar para capturar poluentes com nanopartículas inteligentes.
- Construção civil: materiais inspirados nos corais, que capturam CO₂ e formam estruturas mais resistentes e sustentáveis.
- Transporte: películas que reproduzem as escamas do tubarão para reduzir o atrito e o consumo de combustível em aviões.
- Energia: hélices de turbinas eólicas modeladas nas nadadeiras da baleia-jubarte, que aumentam a eficiência dos ventos.
Cada uma dessas inovações conta uma história de observação e respeito pela natureza. É como se disséssemos: “Ok, Terra, agora queremos te ouvir”.
A curiosidade como motor da ciência
O caso do velcro é talvez o mais emblemático — e poético. Em 1941, o engenheiro suíço Georges de Mestral saiu para passear com seu cachorro e voltou intrigado com as sementes de carrapicho presas à roupa. Sete anos depois, tinha inventado o velcro, hoje usado até em missões espaciais. O que começou como um passeio despretensioso virou uma revolução tecnológica.
Essa história carrega uma lição poderosa para os jovens cientistas: a inovação nasce da curiosidade. E a curiosidade, da observação. “Quando você cria uma tecnologia que amplia seus sentidos, passa a enxergar a natureza de uma forma completamente nova”, diz Denise. É nesse momento que o mundo deixa de ser apenas cenário e se torna mentor.

Um futuro de mentes curiosas e corações atentos
O que mais me encanta na biomimética é que ela nos lembra de algo essencial: inovar não é competir com a natureza, mas colaborar com ela. Essa mudança de mentalidade é o primeiro passo rumo a um modelo de desenvolvimento verdadeiramente sustentável — aquele em que ciência, arte e propósito caminham juntos.
Na era das grandes transições — energética, climática e cultural —, precisamos de mais mentes que olhem para o mundo com olhos de aprendiz. E de professores como Denise, que entendem que ensinar é também reencantar.
Porque, no fim das contas, talvez o grande segredo da inovação esteja em uma simples pergunta:
“O que a natureza faria no meu lugar?”
Para refletir:
Enquanto muitos ainda tentam reinventar a roda, a natureza já nos oferece as respostas — basta ouvir.
E talvez essa seja a maior lição da biomimética: a de que o futuro sustentável começa com um olhar curioso e um profundo respeito por quem, há bilhões de anos, vem experimentando, adaptando e criando — o planeta Terra.
*Com informações do JORNAL DA USP.