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Calor extremo acelera envelhecimento humano e escancara desigualdades sociais

Calor extremo acelera envelhecimento humano e escancara desigualdades sociais

Estudo realizado em Taiwan mostra que ondas de calor podem acrescentar dias de idade biológica ao corpo humano, colocando novos desafios para a saúde pública e para o desenho urbano

Um estudo de longo prazo realizado em Taiwan acompanhou 25 mil pessoas ao longo de 15 anos e trouxe resultados preocupantes: as ondas de calor aceleram o envelhecimento biológico humano. Cada episódio de calor extremo pode acrescentar até nove dias de idade ao organismo — e, entre trabalhadores expostos ao sol diariamente, esse impacto pode chegar a 33 dias.

Os resultados colocam o calor extremo no mesmo patamar de risco que fatores já reconhecidos, como o tabagismo e o sedentarismo. Para o professor André Dal’Bó da Costa, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU) da USP, o dado reforça a urgência de políticas públicas voltadas à proteção da população. O estudo mostra que cada onda de calor pode acelerar o envelhecimento biológico, algo tão grave quanto fumar ou levar uma vida sedentária. Mesmo assim, as políticas públicas ainda não estão no mesmo patamar de proteção. Segundo o especialista, parte disso ocorre porque “o calor extremo é um fenômeno recente em escala global e ainda não está enraizado na agenda de saúde pública”.

Falta de políticas públicas

Apesar dos alertas da ciência, a resposta dos governos ainda é tímida. O calor extremo costuma ser tratado como algo passageiro, mas os dados já indicam um risco contínuo. “Um relatório do Imperial College, publicado pelo The Guardian, apontou que duas em cada três mortes registradas no verão de 2025, na Europa, foram provocadas diretamente pelo calor. É um número muito alto e mostra que estamos diante de uma emergência”, destaca Dal’Bó.

Para o professor, as políticas atuais ainda atuam de forma paliativa — reagem aos efeitos, mas não enfrentam as causas estruturais. Os governos ainda tratam o calor extremo como um evento isolado, quando, na verdade, ele deveria ser entendido como um risco crônico de saúde. Ele avalia que, enquanto as políticas públicas não enfrentarem a origem do problema, as ações continuarão sendo apenas emergenciais e insuficientes.

Quem sofre mais?

Os impactos do calor extremo não são distribuídos de forma igual. Idosos aparecem em todos os estudos como o grupo mais vulnerável. Dados do Imperial College indicam que 85% das mortes por calor ocorrem em pessoas com mais de 65 anos e 41% entre aquelas acima dos 85.

A desigualdade urbana amplia o problema. “Não são apenas os idosos: trabalhadores que passam o dia sob o sol, moradores de periferias sem arborização e famílias que vivem em casas de alvenaria sem ventilação sofrem muito mais”, explica o professor. Para ele, o calor escancara as disparidades urbanas: “Enquanto bairros centrais e ricos têm sombra, praças e climatização, grande parte da população vive em verdadeiras ilhas de calor, onde o corpo se desgasta mais rápido e as chances de adoecer e morrer aumentam”.

O cenário reforça que o calor extremo não é apenas um desafio ambiental, mas também social — ele amplia desigualdades históricas e atinge com mais força quem já vive em condições precárias.

Cidades mais saudáveis e resilientes

A ciência do envelhecimento pode ajudar a orientar novas estratégias de planejamento urbano. Para Dal’Bó, é necessário repensar profundamente a relação das cidades com a natureza. “Para pensar cidades mais saudáveis é preciso atacar a raiz do problema. Hoje ainda vemos a árvore como um mero equipamento urbano, quando na verdade ela é um organismo vivo essencial para regular o clima”, afirma.

Entre as medidas necessárias, o professor cita a criação de maciços arbóreos consistentes, áreas drenantes e espaços que permitam a circulação da fauna urbana. “Precisamos de um mínimo de biodiversidade que sustente o equilíbrio térmico das cidades — e estamos muito longe disso”, alerta.

André Dal’Bó da Costa – Foto: IEA-USP

Segundo ele, o desafio é de grande escala e exige uma verdadeira “refundação” do modo como as cidades são planejadas. “A espécie humana precisa aprender a conviver com todas as outras espécies, não de forma predatória. A ciência já mostra que o calor deixa marcas reais no corpo humano. Cada árvore plantada, cada parque preservado e cada rua sombreada deve ser entendido como uma medida de saúde pública.”

Calor como questão de saúde e justiça social

O estudo de Taiwan reforça que o calor extremo deve ser visto como um dos grandes desafios contemporâneos, tanto para a saúde quanto para a justiça social. Ao acelerar o envelhecimento humano, ele afeta a qualidade de vida e a longevidade — especialmente das populações mais vulneráveis. Criar cidades mais resilientes ao calor, portanto, não é apenas uma pauta ambiental: é garantir que envelhecer com dignidade não seja um privilégio de quem vive em áreas mais arborizadas e com infraestrutura adequada.

Em resumo: o calor extremo envelhece, adoece e mata. Enfrentar o problema requer políticas públicas consistentes, redução das desigualdades urbanas e cidades desenhadas para proteger a vida em todas as suas formas.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira