Planeta vai ter 57 dias superquentes por ano até o fim do século, estima estudo

A Terra está prestes a viver dias mais escaldantes. Pelo menos, é isso que sugere um novo relatório feito por especialistas climáticos das organizações World Weather Attribution e Climate Central, divulgado nesta quinta-feira (16). O estudo, ainda não revisado por um grupo independente de cientistas, calcula que o planeta enfrentará até o final deste século 57 dias superquentes por ano – datas em que a temperatura deve ultrapassar 90% dos registros históricos locais.
Embora a notícia não seja boa, os pesquisadores responsáveis destacam que o cenário poderia ser pior se os esforços iniciados em 2015, com o Acordo de Paris, não tivessem sido feitos. Sem eles, o mundo poderia saltar para a marca de até 114 dias de calor extremo por ano até 2100.
“Haverá dor e sofrimento por causa das mudanças climáticas”, alerta Kristina Dahl, vice-presidente de Ciência do Climate Central e coautora do relatório, em entrevista à Associated Press. “Mas a diferença entre um aquecimento de 4°C e de 2,6°C mostra que as ambições globais dos últimos dez anos estão fazendo efeito, e isso é encorajador.”
Um planeta cada vez mais quente
De acordo com o relatório, o mundo aqueceu cerca de 0,3°C desde 2015, atingindo uma temperatura média 1,35°C acima dos níveis pré-industriais. Esse pequeno aumento foi suficiente para adicionar 11 dias superquentes a cada ano em média.
Se a tendência atual de emissões continuar, e o aquecimento global chegar a 2,6°C, o planeta verá um salto de 57 dias superaquecidos adicionais em relação ao presente. Antes do Acordo de Paris, os modelos climáticos projetavam um aquecimento de 4°C até o fim do século, o que dobraria a frequência desses dias mortais.
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Para chegar a essas projeções, o levantamento analisou dados de 207 países e territórios. Foi assim que ele identificou que as nações mais pobres e vulneráveis serão as mais atingidas pelas mudanças climáticas. Países insulares e tropicais, como Ilhas Salomão, Samoa, Panamá e Indonésia, devem enfrentar mais de 140 dias superquentes adicionais por ano, apesar de contribuírem com apenas 1% das emissões globais de gases de efeito estufa.
Em contrapartida, Estados Unidos, China e Índia, que juntos respondem por 42% do dióxido de carbono presente na atmosfera, terão um aumento bem menor. Calcula-se que o impacto por ali seja de “apenas” 23 a 30 dias superaquecidos.
Impacto sobre a vida humana
Os efeitos desse aquecimento já são visíveis em várias partes do planeta, e exemplos recentes ajudam a dimensionar o que está por vir. Na Europa, as ondas de calor que atingem o sul do continente tornaram-se 70% mais prováveis de ocorrer e 0,6°C mais quentes do que seriam há apenas uma década.
Em 2023, o fenômeno quebrou recordes de temperatura, provocou aumento súbito na mortalidade, sobrecarga nos sistemas elétricos e perdas agrícolas significativas. Se as emissões não forem reduzidas, eventos semelhantes poderão ser até 3°C mais quentes no território europeu até o fim do século, transformando verões intensos em ameaças anuais.
Na América do Norte, o calor extremo registrado em 2024 entre o México e o sudoeste dos Estados Unidos escancarou a desigualdade na capacidade de adaptação. Enquanto cidades americanas dispõem de sistemas de alerta e infraestrutura de emergência, regiões mais pobres enfrentaram o calor sem recursos básicos.
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O estudo aponta que eventos como esse se tornaram 86% mais prováveis desde 2015 e estão 0,3°C mais quentes. Além disso, projetou-se que, até 2100, essas ocorrências poderão ser 3,5°C mais severas.
Já na Amazônia, o ano de 2023 marcou a estação seca mais quente e longa da história, em parte impulsionada por temperaturas elevadas recordes. O fenômeno provocou uma seca devastadora, matou centenas de golfinhos de água doce e reduziu drasticamente o nível dos rios, comprometendo o abastecimento e a geração de energia hidrelétrica.
Segundo os cientistas, um evento dessa magnitude teria sido praticamente impossível há alguns anos. Acredita-se que ele só foi possível em razão da influência direta das ações humanas no clima.
Desafios para a próxima década
Embora o número de planos de ação contra o calor e sistemas de alerta precoce tenha crescido desde 2015, o progresso ainda é desigual e lento. Segundo o relatório, metade dos países do mundo possui alertas para temperaturas extremas, e apenas 47 contam com planos nacionais de ação.
O estudo aponta que os custos da inação estão crescendo mais rápido do que os investimentos em adaptação. “A cada ano, vemos o calor pressionar os sistemas de saúde, reduzir a produtividade e desestabilizar a infraestrutura”, afirma o texto.
Embora o Acordo de Paris tenha reduzido a trajetória de aquecimento global, o planeta ainda caminha para um futuro “perigosamente quente”. O relatório pede cortes rápidos e sustentados nas emissões de combustíveis fósseis, além de medidas urbanas e sociais para proteger populações vulneráveis, como moradias adaptadas, áreas verdes, transporte público com sombra e leis trabalhistas específicas para o calor extremo.