Anchor Deezer Spotify

A farsa da “liderança verde”: quando o petróleo veste roupagem de bambu

A farsa da “liderança verde”: quando o petróleo veste roupagem de bambu

As gigantes dos combustíveis fósseis prometem “guiar a transição energética” — mas estão mais preocupadas em polir a própria imagem do que em abandonar o poço de petróleo. Um novo estudo desmonta o discurso verde e mostra o quanto estamos longe de uma virada real

Vamos combinar uma coisa: quando a indústria de combustíveis fósseis diz que vai liderar a transição energética, dá vontade de rir — se não fosse trágico. As mesmas empresas que sugaram o planeta até a última gota agora se vestem de verde, posam com turbinas eólicas ao fundo e juram amor eterno à sustentabilidade.

Mas a realidade, como sempre, insiste em estragar o marketing.
Uma nova pesquisa publicada na Nature Sustainability, feita pelo Instituto de Ciência e Tecnologia Ambientais da Universidade Autônoma de Barcelona (ICTA-UAB), mostra que as maiores petroleiras do mundo são responsáveis por apenas 1,42% dos projetos de energia renovável em escala global.
Sim, você leu certo: um vírgula quarenta e dois por cento. O resto continua sendo puro carbono e conversa fiada.

Promessas verdes, resultados cinzentos

O estudo analisou as 250 maiores produtoras de petróleo e gás, que juntas respondem por 88% da produção global de hidrocarbonetos. O resultado é quase uma piada de mau gosto: só 20% dessas empresas têm algum projeto renovável em operação. E mesmo assim, as fontes limpas representam míseros 0,1% da energia que elas produzem.

Ainda assim, o discurso é bonito. Em suas campanhas, os CEOs aparecem sorridentes, de camisa branca e mangas dobradas, falando em “transição justa”, “neutralidade de carbono” e “inovação sustentável”.
Mas como bem disse Kasandra O’Malia, do Global Energy Monitor:

“As empresas de petróleo e gás simplesmente não estão investindo em renováveis como prometeram. Afirmar o contrário é puro greenwashing.”

E o Brasil? Também caiu nessa.

Por aqui, o cenário é parecido. As empresas fósseis controlam 2,82 GW de capacidade renovável, o que equivale a 1,3% da matriz limpa nacional.
E a Petrobras, nossa eterna “mãe do petróleo”, gosta de dizer que investe em energia verde — só que ainda não construiu uma única usina renovável.

Mesmo que todas as anunciadas saiam do papel (o que é otimista demais), isso representaria só 0,7% de sua geração total. Enquanto isso, bilhões seguem sendo despejados em novas reservas fósseis.

O pesquisador Marcel Llavero Pasquina, autor principal do estudo, foi direto:

“Na prática, a Petrobras está investindo bilhões de dólares no desenvolvimento de novas reservas de combustíveis fósseis.”

Pintando o poço de verde

Shell, TotalEnergies, Equinor e Petrobras adoram exibir planos para 48 GW de energia eólica offshore no Brasil.
Parece revolucionário — até lembrar que o mundo já opera 83 GW e que boa parte desses projetos por aqui nem licença ambiental tem ainda.

“A atuação das empresas de petróleo e gás nas energias renováveis é meramente anedótica”, reforça Pasquina.
“O que deveria ser avaliado é quanto petróleo elas deixam de extrair — e não quantas fotos publicam com painéis solares ao fundo.”

Spoiler: quase nenhuma deixou.

A retórica do arrependimento

A indústria fóssil tenta nos convencer de que pode “liderar” a transição energética.
Mas sejamos honestos: como confiar em quem construiu fortunas justamente vendendo o que destrói o clima?
É como pedir ao lobo que ensine ovelhas a se defender.

Entre as 100 maiores empresas, apenas um quarto estabeleceu metas de redução de emissões até 2030 — e mesmo assim, limitadas às suas próprias operações, não ao impacto real de seus produtos.
É o equivalente a um cigarreiro prometer que vai poluir menos a fábrica, mas continuar vendendo maços.

O elefante oleoso na sala

Enquanto governos insistem em dar assento às petroleiras nas mesas de negociação climática, o planeta arde.
O pesquisador Llavero Pasquina é categórico:

“Depois de décadas de promessas vazias, está claro que as empresas fósseis sempre farão parte do problema, não da solução.”

E ele tem razão. O poder político e econômico dessas corporações é tão grande que elas influenciam regulações, financiam campanhas e sequestram o debate público.
É o vício do carbono: todo mundo sabe que faz mal, mas ninguém larga o isqueiro.

imagem gerada por ia mostra um busto de terno com a cabeça representada por um barril de petróleo
“O petróleo vestindo terno verde — ou a farsa da transição”? – Imagem gerada por IA – Foto: Ilustrativa/Divulgação
Há esperança — mas não com eles no comando

Segundo o think tank Ember, o investimento global em energia limpa já dobrou o aplicado em combustíveis fósseis, atingindo US$ 2 trilhões em 2024.
Hoje, mais de 40% da eletricidade mundial vem de fontes renováveis.
Ou seja, a transição está em curso — apesar das petroleiras, não graças a elas.

No Brasil, dois estudos recentes mostram que dá, sim, pra virar o jogo.
Um, da UFRJ, propõe redirecionar investimentos da Petrobras para biocombustíveis, hidrogênio verde e energia solar.
Outro, do Observatório do Clima, defende que o país congele a exploração em novas fronteiras petrolíferas, como a Foz do Amazonas.

Parece óbvio, né? Mas o óbvio, em tempos de crise climática, virou ato de coragem.

No fim das contas…

Se a indústria fóssil quer mesmo liderar a transição energética, que comece largando o fósforo.
Porque não dá pra apagar o incêndio climático com o mesmo combustível que o provoca.

A verdade nua e crua é essa: não existe petróleo verde — só um marketing caríssimo tentando convencer o mundo do contrário.

*Com informações do CLIMAINFO.