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Pesquisa aponta que 54% das crianças assistem a vídeos curtos: quais as consequências para o cérebro? Especialistas explicam

Pesquisa aponta que 54% das crianças assistem a vídeos curtos: quais as consequências para o cérebro? Especialistas explicam

Pediatra e neuropediatra analisam a nova tendência de consumo de conteúdo a partir do avanço das plataformas de vídeo

Nas gerações passadas, a exposição às telas por crianças se dava, principalmente, através de desenhos e filmes apresentados na TV. Hoje, o acesso, na maior parte das vezes, se dá de outra forma: as crianças, em seus celulares, veem conteúdos de curta duração. Com a atenção e outras áreas cognitivas ainda em desenvolvimento, especialistas alertam que essa mudança pode ser prejudicial a longo prazo.

Um levantamento feito pela empresa Hibou Pesquisas e Insights, com dados deste mês, mostra que, segundo pais e responsáveis, as crianças passam a maior parte do seu tempo vendo vídeos em plataformas como Youtube (54%) e TikTok (41%). Só depois estão Netflix e Disney+, com 26%, que apresentam conteúdos de longa duração (como filmes e séries filmes voltados para o público infantil).

Para Ligia Mello, sócia e diretora de estratégia da Hibou, isso representa uma mudança em relação ao que era visto anteriormente. As crianças estão cada vez mais optando por vídeos menores, em vez de desenhos animados e filmes.

— A gente observa que as plataformas estão assumindo o lugar do streaming na vida das crianças. Isso pode estar ocorrendo por conta dos vídeos curtos do YouTube, por exemplo, que se comparam muito com o que é encontrado no TikTok. Além disso, é um indicativo de que eles estão passando mais tempo em celulares e tablets. Então, vem a preocupação sobre até que ponto os pais estão conseguindo controlar esse uso — aponta Mello.

De acordo com Daniel Becker, pediatra e colunista do GLOBO, a maneira como plataformas de vídeo, que abrigam vídeos curtos, são construídas, fazem com que o cérebro se vicie. E isso é possível porque apresentam uma outra característica, que torna tudo ainda mais preocupante: o algoritmo.

— Essas plataformas de vídeo, tal qual as redes sociais, são criadas para criar dependência.Quando você vê um vídeo que te agrada ou engaja, tende a permanecer ali. E o algoritmo entra nisso, porque vai te mostrar o que pode te prender — aponta.

Segundo a neuropediatra Marcela Rodriguez de Freitas, secretária do Departamento Científico de Neurologia Infantil da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), o mecanismo do cérebro que explica isso é o sistema de recompensa.

— Ele nos motiva a repetir comportamentos que geram prazer ou satisfação. Uma comida, uma música, uma droga ou esses vídeos curtos, ativam no cérebro circuitos neuronais relacionados ao neurotransmissor dopamina, estimulando um reforço positivo — explica.

A longo prazo, essa tendência a se divertir sozinha com o próprio celular ou tablet, por exemplo, pode fazer com que a criança desenvolva dependência.

— Uma criança ou adolescente dependente de tela vai ser removida de vivências no mundo real que são fundamentais para o bom desenvolvimento cerebral — alerta Becker.

Uma pesquisa publicada na revista científica NeuroImage mostrou que ver vídeos de poucos segundos pode causar uma desaceleração no processamento de informações (também chamado de “névoa mental”). Nesse sentido, Freitas destaca que a exposição a vídeos curtos gera uma atenção fragmentada:

— Corresponde a um estado de dispersão da atenção, impedindo a concentração em uma única tarefa por um período mais prolongado.

O efeito é negativo porque a atenção sustentada, em que o indivíduo precisa se manter focado por mais tempo para compreender e processar uma informação, além da atenção concentrada, são essenciais para o armazenamento ou memorização de uma informação.

— Assim, comparando diferentes formas de exposição à tela, para o cérebro de uma criança, adolescente e mesmo para um adulto, ver vídeos muito curtos é completamente diferente do que ver uma série, desenho ou filme — diz a neuropediatra.

Sem controle

Outro ponto, levantado por Becker, é que esse tipo de conteúdo não estimula o senso crítico da criança.

— Ali tudo é muito passivo. Não há raciocínio, análise crítica, reflexão, história ou conflitos. Geralmente, não tem o bem e o mal, um herói, um vilão, uma moral presente, coisas que fazem criança pensar, que a colocam defronte questões importantes do nosso mundo — afirma o pediatra.

Além disso, diferentemente de desenhos, séries e filmes oferecidos pelas plataformas que passam por uma curadoria e tem classificação indicativa, a rolagem no feed pode trazer conteúdos inadequados.

— Para engajar, o algoritmo apela para o lixo do conteúdo, sempre pelo pior possível, para os meninos misoginia, violência, é, racismo, preconceito, bullying, etc. E para as meninas comparações, blogueiras ultra magras, dietas radicais e consumismo — salienta.

Por isso, quando a família for dar um tempo de tela para os filhos, vale lembrar que não é tudo igual:

— Quando você estiver precisando de um tempo, a criança já brincou, e você quer recorrer a uma tela: ligue a televisão. No canal de tv, a cabo ou no streaming a gente sabe o que eles estão assistindo. É muito mais seguro — sugere Becker.

Momento certo

Um dado de outra pesquisa da Hibou, também realizada em 2025, mostra que 77% dos pais e responsáveis acreditam que a criança só deve ter o próprio celular a partir dos 12 anos (há três anos, a idade mencionada por 53% dos adultos era de 10 anos).

Becker, por sua vez, defende que adolescentes antes dos 14 anos tenham celular, mas ainda sim, um que sirva para troca de mensagens por SMS e ligações, sem redes sociais.

— Isso é o suficiente para manter uma ótima comunicação com os pais, se for necessário. Manter os mais jovens longe da internet é uma medida de precaução, porque todos os aplicativos são, por falta de ética das empresas dirigidos para o vício, para criar dependência — aponta.