Dados sobre biodiversidade e mudanças climáticas são integrados para fomentar conservação

Cruzando dados que antes eram usados isoladamente, Laboratório de Física Atmosférica da USP irá contribuir com base de dados para monitorar impacto das mudanças climáticas sobre espécies e ecossistemas da América do Sul
A speciesLink é uma rede colaborativa que reúne informações sobre a biodiversidade brasileira e sul-americana. Atualmente, a plataforma conta com mais de 16 milhões de registros de ocorrência de espécies da flora, fauna e microbiota, cerca de 10,5 milhões (65%) provenientes do Brasil. O objetivo é servir como base para atividades de pesquisa e educação, assim como fomentar políticas públicas de conservação de espécies, recuperação de áreas degradadas e promover o uso sustentável dos ecossistemas.
Agora o Laboratório de Física Atmosférica (LFA) do Instituto de Física (IF) da USP irá contribuir com a plataforma por meio do fornecimento de dados sobre o clima e as mudanças climáticas. Paulo Artaxo, professor do IF e membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) esteve à frente das negociações com a speciesLink.
“Uma das questões mais importantes das mudanças climáticas é o seu impacto na biodiversidade, da qual toda a vida do planeta depende”, comenta. “Até agora, esses dois temas foram tratados em convenções internacionais diferentes, sem nenhuma conexão entre uma questão e outra; a ideia do projeto foi quebrar essa dicotomia.”
O IF construiu uma base de dados sobre a emissão de gases de efeito estufa e outros parâmetros, tendo como base o Instituto Nacional de Meteorologia (Inpe). Luciana Rizzo, professora do laboratório, supervisionou a colaboração com a equipe do Centro de Referência e Informação Ambiental (Cria), organização coordenadora da speciesLink, e afirma que isso amplia a capacidade de entendimento do cenário ambiental brasileiro nas últimas décadas.

Paulo Artaxo – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Parcerias
Desde os anos 2000, o Cria agrega informações oriundas de herbários, museus de história natural e coleções microbiológicas nacionais e internacionais, mensurando impactos sobre a biodiversidade. “Na speciesLink, pesquisadores podem acessar o nome de uma espécie, a data e o local onde ela foi avistada e sua caracterização. Mas havia uma demanda científica por cruzamento com dados climáticos”, diz Luciana Rizzo.
Em 2022, dados oriundos do projeto MapBiomas – referência mundial em uso e cobertura da terra – passaram a integrar a rede. Registros territoriais de 1985 até os dias de hoje revelam a perda de áreas naturais e sua transformação em áreas antrópicas em todos os biomas brasileiros. Essas alterações estão diretamente relacionadas ao clima do País. “Quando você transforma uma floresta em pastagem ou campo há emissões de gás de efeito estufa, alterações no balanço de radiação, na emissão de vapor d’água e no funcionamento ecossistêmico que influenciam diretamente nas propriedades atmosféricas”, explica Artaxo.

As florestas são responsáveis por armazenar carbono e água, portanto todo o balanço de energia regional depende da cobertura vegetal – Foto: Pok Rie/Pexels
A comunidade brasileira de ecologia estava baseando investigações em dados climáticos do WorldClim, base internacional e não específica para a América do Sul. Agora o IF se une ao projeto para originar o Mapbiomas Atmosfera, como parte das atividades do Research Center for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), liderado por Artaxo.
“É possível analisar, historicamente, se determinada espécie está sofrendo queda na aparição numa determinada região – por meio de dados meteorológicos, temos uma ideia do quanto as mudanças climáticas estão afetando a perda de fauna e de flora no Brasil” – Paulo Artaxo
Os mapas dividem o território da América do Sul em áreas de 10km2 e descrevem 19 indicadores climáticos importantes para a modelagem de distribuição de espécies, como temperatura média anual, sazonalidade e precipitação. “Temos a série histórica completa da temperatura de cada ‘quadradinho’ do território”, explica Luciana. “Algumas espécies, como anfíbios, são muito sensíveis a variações de temperatura e conseguem sobreviver a uma faixa muito estreita; quando a temperatura excede persistentemente, a espécie pode estar em risco ou migrar para outra região.”
Os pesquisadores também criaram duas novas variáveis, que evidenciam o quão rápido as mudanças climáticas estão acontecendo em cada ponto do mapa – isto é, quantos graus Celsius por década a temperatura está aumentando. “A gente percebe que isso é muito heterogêneo no continente”, comenta Luciana. “As temperaturas no Centro-Oeste brasileiro, por exemplo, já aumentaram muito mais devido ao aquecimento global do que as cidades no litoral.”
Papel social
O Brasil é um dos signatários da Convenção de Kyoto e da Convenção Climática. Segundo Artaxo, o País assinará uma série de documentos em novembro, na Conferência das Partes (COP30) prevista para ocorrer em Belém (PA), visando à redução de emissões de carbono e do desmatamento de florestas tropicais. Para garantir resultados positivos são necessárias ferramentas científicas independentes que possam atestar a efetividade ou não de políticas públicas.
“Esse projeto pode identificar regiões da América do Sul ou do Brasil que estão passando por uma mudança mais acentuada, tanto de uso da terra quanto de clima”, exemplifica Luciana Rizzo. “É possível também avaliar quais são os serviços ambientais prestados pela existência de algum fragmento florestal.”
A produtividade agrícola é influenciada pela biodiversidade e por fatores ambientais. “A agricultura depende de polinizadores, como abelhas e insetos. Se você causa uma degradação naquele ambiente e os polinizadores vão embora, há graves perdas de produção”, afirma a cientista. Simultaneamente, o clima tem papel essencial na estabilidade produtiva: com as mudanças climáticas, a sazonalidade e a pluviosidade regionais podem se modificar e, consequentemente, prejudicar o sucesso dos agricultores.

Luciana Rizzo – foto: Arquivo pessoal
Com o cruzamento de dados, os cientistas quantificam com mais precisão os serviços ecossistêmicos locais, o que pode justificar, perante a sociedade, a conservação de determinados ambientes. “Se deixa de chover em uma região porque foi removida a floresta, ou se um rio secou porque se removeu a mata ciliar, haverá perdas econômicas relacionadas”, acrescenta a pesquisadora.
Atualmente, o compartilhamento de dados na speciesLink é feito por mais de 200 instituições, sendo mais de 30 do exterior. Segundo Paulo Artaxo, há uma crescente demanda na ciência por ferramentas de monitoramento, e esse projeto abre portas para avaliar, com maior qualidade de evidências, os processos que o ser humano vem alterando no planeta Terra. “Esse é o âmago do nosso projeto: é obrigação da ciência e da universidade fornecer informação para a sociedade civil”, conclui o cientista.
Mais informações: artaxo@if.usp.br, com Paulo Artaxo, e luvarizzo@gmail.com, com Luciana Rizzo
*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz
**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado