Penas de aves acumulam falhas e resquícios de agrotóxicos

Mesmo espécies que não saem de áreas preservadas da Mata Atlântica sofreram esses efeitos
Biólogos das universidades de São Paulo (USP) e federais de Pernambuco (UFPE) e da Paraíba (UFPB) fizeram uma meticulosa análise da proporção dos isótopos (variações do mesmo elemento químico) de carbono e nitrogênio em 1.778 amostras de penas de aves. O material havia sido coletado entre 1893 e 2022 em áreas de Mata Atlântica das regiões Nordeste, Sudeste e Sul, estava guardado em coleções científicas de instituições como o Museu de Zoologia da USP (MZUSP), e representa 74 espécies. A notícia que saiu dos resultados não foi boa.
“As penas armazenam sinais químicos que refletem informações ecológicas dessas aves, como sua alimentação e o ambiente em que viveram ou vivem”, explica Ana Beatriz Navarro, da USP. “Observamos um aumento de falhas nas penas das aves, indicando que a qualidade das penas dessas aves declinou ao longo das últimas décadas.”
Identificadas com lentes de aumento nas aves das coleções científicas, as falhas das penas se mostraram mais comuns na cauda que nas asas. “As falhas resultam de estresse nutricional ou ambiental, que deixam as penas mais propensas à quebra”, diz Navarro. Segundo a bióloga, as irregularidades podem prejudicar o voo e deixar as aves mais suscetíveis à predação.
Choquinha-lisa, insetívora comum nas matas do Sudeste | Foto: Luciano Bernardes / Revista Pesquisa Fapesp
As espécies cujas penas foram estudadas vivem nos centros de endemismo (com espécies únicas) de Pernambuco e da serra do Mar. O primeiro compreende uma área da Mata Atlântica nordestina, desde o Rio Grande do Norte até Alagoas, com predomínio de agricultura e com apenas 12% de florestas. O segundo, uma área que se estende do Espírito Santo a Santa Catarina, com 32% de matas nativas, abrangendo inclusive a Grande São Paulo.
As penas das aves do centro de endemismo da serra do Mar também exibiram sinais químicos do aumento do uso de agrotóxicos nas últimas décadas, como a elevada proporção de isótopos de nitrogênio-14, com resultados incertos sobre o organismo.
“Embora aplicado diretamente na agricultura, o agrotóxico parece ser levado para o interior das matas preservadas”, comenta Navarro. “Já que mesmo espécies que não saem das matas, como o corocoxó [Carpornis cucullata] e a araponga [Procnias nudicollis], apresentam sinais químicos dos defensivos agrícolas.”
Penas quebrada de papa-taoca-de-pernambuco (Pyriglena pernambucensis) | Foto: Ana Beatriz Navarro / USP / Revista Pesquisa Fapesp
Entre as espécies estudadas da serra do Mar, cujas penas apresentaram alterações, estão a rendeira (Manacus manacus), que se alimenta de frutos; a choquinha-lisa (Dysithamnus mentalis), que consome insetos; e o sabiá-coleira (Turdus albicollis), onívoro. Na região de Pernambuco, entre as espécies estudadas, estão o tangará-falso (Chiroxiphia pareola), frugívoro; a choca-da-mata (Thamnophilus caerulescens), insetívora; e o tico-tico-de-bico-preto (Arremon taciturnus), onívoro.
Os resultados estão detalhados em um artigo publicado em julho na revista Oikos.
A elevação das temperaturas médias anuais também afeta as aves. Em novembro de 2021 na Science Advances, pesquisadores do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), sediado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, relataram uma redução da massa corporal, em média de 2% por década, de 77 espécies de aves que vivem em áreas distantes de cidades, em razão das secas intensas.