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Professora da Paraíba transforma sala de aula em espaço de poesia e consciência

Professora da Paraíba transforma sala de aula em espaço de poesia e consciência

Entre rimas, xilogravuras e histórias de biomas, alunos descobrem novas formas de aprender sobre natureza e pertencimento

Em uma sala iluminada por janelas antigas, onde redes se misturam às paredes azuis e o chão de ladrilhos guarda ares de casa nordestina, crianças se debruçam sobre folhas em branco.

O que parece apenas mais uma atividade escolar, em João Pessoa, é, na verdade, o início de uma experiência transversal: em que ciência, arte e tradição popular se encontram. É ali que a professora Cíntia Moreira Lima tem transformado o cordel em ferramenta de educação ambiental.

Com oficinas de isogravura, técnica inspirada na xilogravura típica do cordel, os alunos desenham símbolos da natureza em tecidos e papéis, construindo narrativas sobre rios, florestas e seres vivos muitas vezes invisíveis ao olhar comum. “Começamos com um rio negro em pano para registrar a arte. Eles simulam o ambiente, aprendem geografia e, ao mesmo tempo, produzem ciência rimada”, explica Cíntia.

Cíntia exibe um dos trabalhos com os seus alunos — Foto: Divulgação
Cíntia exibe um dos trabalhos com os seus alunos — Foto: Divulgação

Para a professora, o cordel é tradução de informação científica para uma linguagem acessível. “Geralmente, as crianças não imaginam que ciência pode ser apresentada com rimas e palavras do nosso cotidiano, como muié e vixi. O cordel é notícia popular, o jornal do sertão, que consegue popularizar temas ambientais de forma lúdica”, resume.

O trabalho com cordel também dialoga com os biomas do Nordeste. “Digo que são lugares que já se cordelizaram ou ainda irão se cordelizar! A Mata Atlântica, os manguezais e a caatinga fazem parte da nossa realidade e, futuramente, estarão em novos folhetos”, adianta a autora, que se inspira nas histórias do sertão de sua própria família.

Entre os estudantes, a ideia de misturar ciência e cordel tem gerado surpresa. Adrian Santos, aluno do 7º A da Escola Municipal Arnaldo de Barros Moreira, descreve a experiência como algo transformador. “A ideia de misturar cordel com ciência é muito interessante, porque junta uma leitura simples e rápida com imagens e informações que normalmente veríamos em livros mais difíceis de entender. Fica mais fácil, mais divertido e até mais legal de aprender. Eu aprendi muito sobre a floresta amazônica, sobre o encontro entre cientistas e indígenas”.

Alian Santos é um dos alunos de Cíntia — Foto: Divulgação
Alian Santos é um dos alunos de Cíntia — Foto: Divulgação

O relato do estudante mostra como o projeto rompe barreiras entre ciência, cultura e educação, criando um espaço de aprendizagem mais acessível e participativo.

A trajetória de Cíntia na literatura de cordel já rendeu dois títulos publicados. Em “A Vida Escondida na Floresta do Rio Negro em Cordel”, inspirado em pesquisas científicas, ela conduz o leitor a um passeio pela Amazônia, explicando o funcionamento do rio Negro, o papel dos fungos, das plantas e das micorrizas na manutenção da vida. Já em “Brilhos na Floresta em Cordel”, resultado de encontros com pesquisadores e indígenas, a narrativa apresenta os fungos bioluminescentes que iluminam a floresta à noite.

Entre ciência e encantamento, a obra mostra como conhecimento científico e saberes tradicionais se cruzam na conservação. Essas histórias, contadas em versos, despertam curiosidade entre os alunos. “Eles sempre querem saber se podem achar algum cogumelo que brilha no escuro aqui na cidade. Querem viver a experiência da poesia na natureza”, relata a professora.

Para Cíntia, mais do que teoria, a educação ambiental precisa nascer da prática cultural e do senso de pertencimento. “É necessário despertar a atenção e incentivar os jovens com sensibilidade, poesia e símbolos nossos, como a xilogravura, os ditados populares e a pedagogia do pertencimento”, defende.

Ao final de uma manhã de trabalho, as crianças exibem orgulhosas um tecido estampado com sol, estrelas, flores e ondas. São imagens que carregam a consciência de uma geração que vai ter que conciliar: ciência, meio-ambiente e cultura. Para o bem-estar do mundo.