Nova organela funciona como “centro de reciclagem” dentro das nossas células

Estrutura que ajuda as células a organizar, descartar e reciclar materiais foi observada de modo inédito em células de humanos, ratos, camundongos e macacos
O médico italiano Camillo Golgi não teve vida fácil. Entre 1867 e 1887, ele e seus alunos da Universidade de Pavia publicaram mais de 70 artigos discutindo a organela que haviam descoberto e que posteriormente seria batizada de “complexo de Golgi” (ou Golgi apparatus, em inglês). Mesmo assim, por décadas, a comunidade científica não acreditou na descoberta, dizendo que o que Golgi e seus alunos estavam observando eram apenas manchas.
Foi só em 1956, a partir de observações com microscópio, que o complexo de Golgi finalmente foi identificado e aceito formalmente entre os cientistas. Ainda levaria uns bons anos pra eles descobrirem o que essa organela faz, mas pelo menos tiveram o bom senso de batizá-la com o nome de Camillo.
Essa pequena anedota é para lembrar que o mundo das organelas ainda pode nos surpreender. Essas minúsculas estruturas ficam dentro das células e desempenham funções específicas, como se fossem os órgãos em relação ao corpo humano. A maioria a gente conhece no ensino médio: mitocôndrias, ribossomos, lisossomos, etc.
A mais nova surpresa vem da Universidade da Virgínia (EUA): cientistas descobriram uma organela que batizaram de hemifusoma. Ela é constituída por duas vesículas parcialmente fundidas, unidas por um diafragma de hemifusão — daí o nome. Segundo os pesquisadores, a função dessa organela é ajudar nossas células a organizar, reciclar e descartar materiais (ou “cargas”) dentro delas mesmas. O estudo foi publicado em maio na revista Nature.
A nova descoberta pode ajudar os cientistas a entender melhor o que acontece quando certas doenças genéticas prejudicam essas funções de “limpeza” celular. Uma dessas condições é a síndrome de Hermansky-Pudlak, um distúrbio genético raro que pode causar albinismo, problemas de visão, doenças pulmonares e problemas de coagulação sanguínea.
Distúrbios no hemifusoma ou em seu trabalho podem resultar em acúmulo de resíduos, contribuindo para o surgimento dessas doenças. Dessa forma, estudar essa organela pode ajudar na criação de tratamentos.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/N/9/XpjHEGQneSqZc15Y6bdQ/41467-2025-59887-fig1-html.webp)
Reciclagem celular
Para encontrar a descoberta, os cientistas usaram criomicroscopia eletrônica tomográfica (cryoET), técnica que permite congelar rapidamente amostras biológicas e analisá-las em alta resolução tridimensional. O hemifusoma foi observado em células de humanos, ratos, camundongos e macacos.
“Isso é como descobrir um novo centro de reciclagem dentro da célula”, afirmou em comunicado a pesquisadora Seham Ebrahim, PhD, do Departamento de Fisiologia Molecular e Física Biológica da UVA. “Acreditamos que o hemifusoma ajuda a gerenciar como as células empacotam e processam materiais e, quando isso dá errado, pode contribuir para doenças que afetam diversos sistemas do corpo”.
“Estamos apenas começando a entender como essa nova organela se encaixa no quadro geral da saúde e da doença celular”, disse Ebrahim. “É empolgante porque encontrar algo realmente novo dentro das células é raro – e nos oferece um caminho totalmente novo para explorar.”