O uso da IA em sistemas de monitoramento ambiental pode auxiliar na prevenção de desastres ambientais

Luciana Rizzo e Maria Cristina Ferreira explicam como as máquinas podem auxiliar na proteção do planeta e quais os principais desafios enfrentados pelos cientistas na criação desses sistemas
Cada dia mais presente em nossas vidas, a inteligência artificial está em nossos celulares, chatbots, programas de edição de foto e vídeo, na geração de imagens e até mesmo nos nossos carros. Mas será que essa mesma IA pode ajudar a gente a cuidar do planeta e se proteger de desastres ambientais? Quem explica melhor é a professora Luciana Rizzo do Laboratório de Física Atmosférica da USP.
“A gente tem diversas aplicações possíveis de inteligência artificial em sistemas de monitoramento ambiental. É possível monitorar desmatamento, incêndios florestais, poluição do ar e da água, aplicar esses sistemas também para prevenção e respostas a desastres naturais, como deslizamentos e inundações; aprimorar processos em áreas urbanas, pensando em cidades inteligentes, melhorar a eficiência energética de edifícios, melhorar a eficiência de sistemas de transporte público, monitoramento da condição de árvores. Tem uma série de possíveis aplicações que podem ajudar a otimizar processos e diminuir custos”, explica Luciana.

Exemplos em atividade
A professora diz que em alguns setores já existem sistemas comerciais de IA; como na agricultura, para otimizar a irrigação e o uso de fertilizantes, ou em edifícios públicos para ajudar na eficiência energética e no conforto térmico. Todavia, salienta que em outras áreas as iniciativas de uso de IA caminham em outra velocidade, geralmente por projetos piloto, como os do Cemadem, na busca por detecção de desastres naturais ou em sistemas de detecção de incêndios florestais.
Luciana explica que para o funcionamento dos sistemas de IA, além da programação dos softwares, são exigidos grandes volumes de dados. Para sistemas autônomos e rápidos, esses dados ainda precisam ser acompanhados em tempo real, o que faz ainda mais necessária a cobertura de sistemas e sensores. “Quando a gente pensa nos principais problemas ambientais que a gente tem aqui no Brasil, desmatamento ou o controle de focos de incêndio, isso ainda gera uma dificuldade muito grande de usar sistemas de inteligência artificial que sejam efetivos. O fogo, por exemplo, é algo que se dissipa muito rapidamente. Para você desenvolver um sistema de inteligência artificial, que efetivamente consiga emitir alertas em tempo real para controlar esse problema, ainda é muito difícil. Às vezes você tem áreas muito remotas e muito extensas, você precisaria de sensores espalhados de uma maneira mais ampla”, completa a professora.
Dificuldades na aplicação
A professora Maria Cristina Ferreira de Oliveira, do Instituto de Ciências Matemáticas e Computação de São Carlos, explica que hoje, no Brasil, uma das maiores dificuldades para que esses projetos de monitoramento ambiental se tornem definitivos reside no financiamento: “Uma coisa importante para ganhar escala é você ter financiamento. Eu acho que tem, de fato, várias iniciativas isoladas, mas, para a escala, você precisa de rede de pesquisa, de rede de colaboração, você precisa integrar pessoas e você precisa ter recursos para manter essas pessoas trabalhando nesses projetos por um período relativamente longo. É diferente você fazer isso a partir de projetos de pesquisa individuais, de pesquisadores, que em geral estão associados com bolsas de curta duração, um ano, dois anos, ou você poder reunir uma equipe que vai ficar trabalhando nessa temática por um período mais longo, cinco, dez anos. Essencialmente você precisaria de projetos colaborativos por períodos mais extensos, mais longos, envolvendo grupos de pessoas diferentes de vários locais diferentes. Tanto na área do domínio da aplicação, a ecologia, a biologia, como na área de computação”.

Sobre dificuldades num âmbito mais técnico, Maria Cristina completa: “O processo de gerar conjuntos de treinamento para os algoritmos de aprendizado de máquina é um processo custoso e que requer especialistas que nem sempre estão disponíveis. Muitas vezes, quem faz esse processo de rotulação são alunos que precisam dos dados para os seus projetos. Muitas vezes é um aluno de mestrado, ele não é experiente. Ele pode errar nesse processo de rotulação, nem sempre é possível você revisar. A qualidade dos dados de treinamento também, muitas vezes, deixa a desejar. Para você ter bons resultados com algoritmos de aprendizado de máquina você precisa ter dados de treinamento de qualidade e em quantidade. E as duas coisas são problemas”.
Soberania de sistemas e dados
Vale ressaltar que, para o uso de sistemas de IA, a coleta de dados é fundamental. Hoje, no Brasil, sistemas de monitoramento territorial, por exemplo, são dependentes de dados de satélites estrangeiros, vindos em grande parte dos EUA, Japão e Europa. Muitos desses dados são compartilhados publicamente, mas políticas recentes, como as dos EUA, vêm fechando acesso a alguns dados. Sobre esse tópico, Luciana completa: “Isso é muito complicado, porque isso vai afetar a assimilação de dados para os modelos de previsão de tempo. Por esse motivo, é importante, sim, que o Brasil caminhe no sentido de investir, de produzir os seus próprios dados sobre o meio ambiente, para garantir que a gente tenha acesso a dados que são estratégicos para nós. Dados de uso da terra, dados que a gente chama de reflectância dos perfis que vão dizer para a gente se tem um foco de queimada em algum lugar. É fundamental que o Brasil invista nisso para garantir sua soberania nesse aspecto”.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo