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O custo da destruição silenciosa dos fungos para o meio ambiente

O custo da destruição silenciosa dos fungos para o meio ambiente

Especialistas explicam como o Reino Fungi é fundamental para o funcionamento do ecossistema do planeta e apontam os riscos da extinção desses seres

No solo, no ar, nas raízes das plantas e até dentro do corpo humano, os fungos exercem funções centrais para o equilíbrio da natureza: reciclam nutrientes, sustentam a fertilidade do solo, protegem plantações e têm um papel fundamental na medicina. Ainda assim, permanecem invisibilizados — na ciência, nas políticas públicas e até no imaginário ambiental das pessoas. Hoje, cresce o número de espécies fúngicas em risco de extinção. Quem explica os riscos dessa negligência é o professor Carlos Taborda, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP:
“Além de conhecermos pouco sobre eles, a gente não sabe, de fato, a função deles na natureza — e nós estamos destruindo esses fungos. Então você vê o impacto”, alerta.  Estima-se que existam entre 1,5 e 4 milhões de espécies fúngicas no planeta. Apenas cerca de 150 mil foram catalogadas.

Carlos Taborda – Foto: Reprodução/ICB-USP

Do agrotóxico à queimada: as causas da destruição

Essa destruição tem múltiplas causas. O professor começa apontando uma das mais relevantes: o uso de agrotóxicos. Esses químicos eliminam fungos benéficos e favorecem o surgimento de cepas resistentes, com potencial para gerar novas doenças — menos tratáveis, mais agressivas.
“Esses fungos mais resistentes entram em contato com o ser humano por inalação. E, como são eucariotos, como nós, é difícil desenvolver medicamentos que sejam letais para eles sem serem tóxicos para nós”, explica Taborda.

O aumento da frequência de queimadas é outro fator dominante no risco às espécies fúngicas e, por conseguinte, aos ciclos de vida em que estão integradas. Esses seres participam de redes simbióticas complexas com plantas e outros organismos.
“Isso é uma relação simbiótica. Eles trocam nutrientes e melhoram a produtividade de determinado grão que a planta produz. Uma mudança climática pode favorecer um outro fungo que seja um patógeno vegetal, que destrua a planta. Então, as queimadas são bem prejudiciais, porque elas destroem todo um ecossistema que está funcionando bem.”

Conhecimento perdido: a ameaça silenciosa

Essa extinção silenciosa é acompanhada de outro apagamento: o epistemológico. Taborda reforça uma preocupação central — a negligência está extinguindo espécies que a humanidade nem chegou a conhecer ou estudar. Isso representa uma perda significativa, já que, além de serem base do funcionamento da natureza, os fungos estão presentes em diversos setores fundamentais ao avanço humano, como o alimentício e o farmacêutico.

Roberto Nascimento, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, pesquisa os usos medicinais dos fungos e explica a questão. Ele lembra que a penicilina — marco da medicina moderna — foi originada de um fungo. “Hoje, eles representam uma das fontes mais ricas de princípios ativos. Antifúngicos, antitumorais até plataformas para vacinas têm origem em espécies fúngicas”, afirma. Mas a destruição dos solos ameaça também esse conhecimento: “Se essas espécies desaparecem, desaparece junto a possibilidade de descobertas futuras”, alerta.

Entre ameaça e esperança: um novo olhar para os fungos

Contudo, diante desse cenário, há também esperança. Novas demandas acadêmicas e econômicas pelo estudo do Reino Fungi começam a surgir.

Roberto do Nascimento – Foto: RBI/FMRP/USP

Nascimento observa que, frente ao esgotamento dos modelos convencionais de produção agrícola — com o uso abusivo de agrotóxicos —, o próprio agronegócio começa a voltar os olhos aos fungos. Segundo o professor, o uso desses seres para o controle de pragas em plantações tem crescido: “Se você voltar para um controle biológico de fungos, pode ter o mesmo resultado, gastando muito menos e mantendo o ecossistema equilibrado. Então, essa necessidade hoje de ter uma agricultura mais limpa tem estimulado a procura e a catalogação de novos fungos”.

Reconhecendo o papel fundamental desses organismos em diversos aspectos da vida, torna-se necessário aprofundar as políticas públicas voltadas à sua preservação e estudo:
“As políticas públicas, hoje, devem ser voltadas para retardar os efeitos dessa mudança climática e retroceder essas mudanças no sentido de proteger a microbiota do solo. Apesar de a gente não conseguir ver essa microbiota, ela é tão importante quanto a fauna e a flora, porque é ela que gera esse equilíbrio nos ecossistemas”.

O professor finaliza destacando o papel estratégico das universidades públicas na produção desse conhecimento: “Fornecendo subsídios para o governo, com estudos que possam impactar a vida social no futuro, e mostrando para o governo, para as fontes públicas, a importância de se manter esse equilíbrio ecológico”. Como exemplo, cita as expedições feitas pela Universidade Federal do Mato Grosso, que levam equipes a passar dias catalogando espécies fúngicas no Cerrado brasileiro.

*Estagiária sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira