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‘Vilões do luxo e do lixo’: superiates poluem 1,5 mil vezes mais do que carros populares; veja impactos ambientais

‘Vilões do luxo e do lixo’: superiates poluem 1,5 mil vezes mais do que carros populares; veja impactos ambientais

Pesquisador da Uerj destaca as diversas formas de poluição causada pelas megaembarcações

Às vésperas da COP30, o mundo discute quem mais polui. E os superiates são apontados como “vilões de luxo”: são a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa entre os ultrarricos, de acordo com estudos da Oxfam International. Esses “palácios flutuantes” são considerados embarcações de lazer, mas também podem prestar serviços de turismo, pesca esportiva e mergulho, conforme o PAGE NOT FOUND destaca neste capítulo da série “O extravagante mundo dos superiates”.

Um relatório produzido pela organização em 2024 estima que a pegada de carbono média anual de cada um dos 23 superiates analisados é de 5.673 toneladas — um cidadão médio levaria 860 anos para emitir a mesma quantidade. Um único superiate pode emitir até 7 mil toneladas de CO₂ por ano, o mesmo que 1.500 carros populares.

Atualmente, há, pelo menos, 11 mil iates no mar. Os superiates, barcos com mais de 30 metros de comprimento — como o “Koru” (127 m), de Jeff Bezos, fundador da Amazon, e o “Azzam” (180 m), que pertenceu ao Khalifa bin Zayed al Nahyan, ex-líder dos Emirados Árabes Unidos — são quase seis mil. Os números foram levantados pela empresa de mídia e inteligência de mercado SuperYacht Times.

“Os superiates são embarcações que são verdadeiros navios, com dezenas de metros de comprimento, portanto, são potencialmente poluidores do ambiente aquático, seja ele marinho, fluvial ou de lagos”, explicou ao PAGE NOT FOUND o professor Marcelo Sperle Dias, da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Poluidores bilionários

Em 2017, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o período de 2021 a 2030 como a “Década do Oceano”. A preocupação com a preservação e conservação do ambiente aquático é reforçada com a 30⁠ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que acontece em novembro deste ano em Belém (Pará).

Os impactos gerados pelos superiates são muitos, explica Dias. O professor lista a poluição química, provocada pelo derramamento de combustíveis e lubrificantes; do ar, em razão da queima de combustíveis fósseis como diesel e gasolina; e sonora, já que o ruído atmosférico e subaquático dos motores podem chegar a milhares de rotações por minuto (RPM).

“Esses ruídos afugentam os animais e causam impactos comportamentais, já que podem afastar essas espécies de suas áreas de alimentação, reprodução e amamentação. Pode-se também considerar os impactos gerados por música em altos volumes durante festas e churrascos”, observa o oceanógrafo.

Dias também alerta para o excesso de lixo orgânico e inorgânico produzido por essas embarcações de luxo. Sem a destinação correta, esses resíduos podem acabar no meio aquático, contribuindo ainda mais com os impactos sobre a flora e a fauna.

Além disso, o estudo “Carbon Inequality Kills” (Desigualdade de Carbono Mata) identificou que os superiates e os jatos particulares da elite europeia emitem mais poluição de carbono em uma semana do que o 1% mais pobre do mundo ao longo da vida.

Poluição em números

  • Segundo a pesquisa da Oxfam International, as embarcações de luxo percorrem uma média de 12.465 milhas (mais de 20 mil quilômetros) por ano: o equivalente a cada superiate cruzar o Atlântico quatro vezes.
  • Já um jato particular, de acordo com a empresa de fretamento Bitlux, emite aproximadamente 4,9 quilos de carbono por milha, enquanto um avião comercial libera cerca de 85 gramas por passageiro por quilômetro.
  • Um único superiate pode emitir 7 mil toneladas de CO₂ por ano, o mesmo que 1.500 carros populares.
  • Eles consomem tanto combustível que alguns precisam reabastecer a cada 4 ou 5 dias de navegação, dependendo do tamanho e da velocidade.
  • No total, os 300 maiores superiates do mundo emitem quase 285 mil toneladas de CO₂ anualmente, uma quantidade maior do que toda a nação de Tonga. A informação está no livro “Superyachts: Luxury, Tranquility and Ecocide”, do cientista social Gregory Salle.

“Os donos de superiates são muito menos preocupados com questões ambientais associadas à preservação e à conservação do meio ambiente do que, por exemplo, os donos de veleiros”, compara o professor da Uerj.

Também símbolos de riqueza, Dias explica que os veleiros são “infinitamente menos poluentes” por navegarem com a energia dos ventos e utilizarem motores apenas para manobras de atracação.

Para o oceanógrafo, os impactos ao ambiente podem ser evitados com algumas mudanças, como o uso de biocombustíveis, motores mais eficientes e energia solar ou eólica.

Enquanto a COP30 se aproxima, o professor afirma ser “fundamental que os efeitos poluentes do superiates e seus impactos ambientais ao ecossistema subaquático sejam debatidos, mas, principalmente, que políticas públicas para a conscientização dos proprietários e usuários dessas grandes embarcações sejam adotadas”.

Qual é o futuro dos superiates?

Bill Gates, um dos homens mais ricos do mundo, foi dono de um superiate “revolucionário” que pode dar uma pista sobre como será o futuro dessas embarcações de luxo. Em abril, o cofundador da Microsoft fechou a venda do seu superiate por R$ 3,8 bilhões a um ex-goleiro da NHL (principal liga de hóquei no gelo dos Estados Unidos e do Canadá).

O navio de 118 metros, batizado de “Breakthrough”, foi lançado como o primeiro superiate movido a hidrogênio do mundo e está equipado com comodidades dignas de um bilionário, incluindo dois quartos amplos, piscina com borda infinita privativa, heliporto, spa e academia. Além dos quartos luxuosos, há vários lounges ao ar livre, uma enorme escada em espiral e uma sala de observação na frente da embarcação.

O superiate ecológico funciona com energia “verde”, graças a dois tanques selados a vácuo de 28 toneladas que alimentam o navio com hidrogênio líquido. O “Breakthrough” pode cruzar o Oceano Atlântico a uma velocidade de 32 km/h, levando até 30 passageiros e 43 tripulantes.

* Estagiária sob supervisão de Fernando Moreira