Congresso aprova nova lei de licenciamento, criticada por ‘desmontar’ proteção ambiental

Entidades ligadas ao monitoramento dos biomas e da legislação ambiental pedem que presidente Lula vete o projeto, que segue agora para sanção do chefe do Executivo
A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (17) o projeto de lei que muda as regras do licenciamento ambiental no país, amplamente criticado por ambientalistas e especialistas por afrouxar proteções importantes contra o impacto ambiental. O texto aprovado no Congresso cria licenciamentos que poderão ser obtidos de forma facilitada, em alguns casos via autodeclaração, o que tende a diminuir a fiscalização e o controle.
Para virar lei, a matéria só precisa da sanção do presidente da República. Caso Lula decida vetar trechos ou todo o projeto, a decisão pode ser revista pelo Congresso Nacional. Ainda assim, integrantes do governo e especialistas ouvidos por Um Só Planeta afirmam que as novas regras podem ser questionadas judicialmente.
Em entrevista concedida em junho, o presidente Lula afirmou que “não conhece” as modificações propostas no projeto de lei, e que se manifestaria quando oportuno. O presidente defende publicamente obras criticadas como a tentativa de exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Parlamentares contrários ao texto reclamaram da aprovação e chamaram atenção para o fato de a votação ter sido feita em sessão remota e já tarde da noite, adentrando a madrugada, reportou O Globo.
Os ministérios da Casa Civil, Transportes, Agricultura e Minas e Energia já sinalizaram serem favoráveis ao texto, sob a justificativa de que as medidas devem destravar obras de infraestrutura e assim melhorar a capacidade do governo de fazer entregas.
Em nota, o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), que monitora queimadas e desmatamento na Amazônia e no Cerrado, afirmou que, na prática, a nova lei reduz exigências para uma série de atividades potencialmente impactantes, como obras de infraestrutura, manutenção de estradas e instalações agropecuárias.
O relator do projeto, deputado Zé Vitor (PL-MG), manteve a emenda sugerida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que cria uma licença especial para empreendimentos prioritários ao governo, mesmo que eles “utilizem recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente”.
Este dispositivo pode se tornar uma forma de pressão política sobre obras sensíveis que dependem de critérios técnicos, como o debate extenso entre governo e Ibama no caso da exploração da Foz do Amazonas pela Petrobras, um licenciamento ainda em curso.
Segundo o relator, as licenças especiais continuarão sendo emitidas pelo Ibama, mas o governo poderá determinar quais empreendimentos federais devem ser considerados estratégicos e, portanto, examinados com urgência.
Nos casos de demais empreendimentos, sem organização federal, os órgãos locais de Meio Ambiente, como secretarias estaduais e municipais, seguirão responsáveis pela emissão da licença, bem como o estabelecimento de regras, o que pode gerar interpretações diferentes e insegurança jurídica, afirmam críticos do projeto de lei.
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As licenças autodeclarados, por exemplo, só poderão ocorrer para empreendimento de médio e baixo risco. Porém, quem determina as áreas ambientais de alto, médio e baixo risco também são os órgãos locais, destaca O Globo.
Também permaneceu no texto a possibilidade de mineradoras de alto risco terem licença facilitada. O relator aceitou uma emenda do Senado que retirou o trecho da proposta original o qual determinava que prevalecerão as disposições do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), nos casos de mineração.
Em outro trecho, o texto também retira a necessidade do Ibama dar anuência para casos de desmatamento da Mata Atlântica. Zé Vitor justifica que hoje, boa parte dos pedidos já são aceitos pelo órgão federal, uma vez que os órgãos locais de licenciamento já fazem uma análise mais minuciosa dos casos.
Organizações ambientalistas lamentaram a aprovação do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental pela Câmara. Há entidades, inclusive, que cobram que o presidente Lula vete o texto na íntegra.
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Coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo afirma que o texto aprovado é um “crime histórico” contra a natureza e “uma vergonha para o Brasil, que intenta se colocar como um líder climático”.
“O Congresso Nacional, refletindo uma visão negacionista da relevância da política ambiental, acaba de jogar pelo ralo dois de seus principais instrumentos: o licenciamento ambiental e a avaliação de impactos ambientais. Caminhamos para uma era de intenso descontrole ambiental e de desrespeito a direitos assegurados expressamente pela Constituição”, diz Araújo em entrevista ao Globo.
Também em declaração ao jornal, a assessora de Advocacy do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Luiza Chaer, diz que o projeto aprovado é “recheado de inconstitucionalidades, que fomenta a insegurança jurídica e a judicialização, fere o pacto federativo e nos coloca em risco de ultrapassar o ponto de não-retorno da Amazônia”.
O britânico The Guardian noticiou a aprovação como “um projeto de lei que enfraquece drasticamente as salvaguardas ambientais do país e é visto por muitos ativistas como o retrocesso mais significativo para a legislação ambiental do país nos últimos 40 anos”.
“Mesmo que ele [Lula] vete a legislação, há uma grande chance de que o Congresso predominantemente conservador a anule, desencadeando uma provável batalha na Suprema Corte, já que especialistas jurídicos argumentam que a nova lei é inconstitucional”, relata a publicação do Reino Unido.