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Comer bem e com consciência: iniciativas valorizam sabor e saberes da ‘gastronomia sustentável’

Comer bem e com consciência: iniciativas valorizam sabor e saberes da ‘gastronomia sustentável’

No Dia da Gastronomia Sustentável, celebrado em 18 de junho, projetos e especialistas mostram como é possível comer bem respeitando o meio ambiente, quem produz e o que se planta

De um lado, a natureza e suas espécies ainda pouco conhecidas. Do outro, um consumidor cada vez mais atento ao impacto de suas escolhas. No meio do caminho, cozinheiros, pescadores, empresas, educadores e pequenos produtores tentando equilibrar sabor, acesso e sustentabilidade. É esse o cenário que marca o Dia da Gastronomia Sustentável, celebrado em 18 de junho, data criada pela ONU para destacar a importância de sistemas alimentares que respeitem o meio ambiente, a cultura e a economia local.

Quem vive isso no dia a dia é o chef Gerônimo Athuel, do restaurante Ocyá, no Rio de Janeiro. Apaixonado pelo mar desde criança, ele aprendeu a pescar e limpar peixes ainda na adolescência, no Píer Iemanjá, em Vitória (ES). Hoje, transforma sua memória afetiva em práticas que evitam o desperdício e valorizam o pescado brasileiro.

“Tem um potencial muito grande sendo desperdiçado porque não conhecemos as inúmeras outras possibilidades que o mar nos oferece”, afirma o chef, que inclui no cardápio espécies como faqueco e sororoca — abundantes, saborosas e quase sempre descartadas por falta de conhecimento.

Para Gerônimo, o segredo está em técnicas que prolongam a vida útil dos ingredientes e aprofundam seus sabores. “Maturar um peixe é respeitar quem o pescou. A gente reduz o desperdício e ainda ganha em textura, intensidade e identidade no prato”, explica. No Ocyá, nada se perde: escamas, peles, fígados e espinhas também viram comida — e cultura. “Desperdício zero talvez seja inalcançável, mas a gente trabalha como se fosse possível”, resume.

Gerônimo Athuel, chef do Ocyá — Foto: Divulgação/Ocyá
Gerônimo Athuel, chef do Ocyá — Foto: Divulgação/Ocyá

Na outra ponta da cadeia, empresas também têm papel fundamental nessa transformação. A Ticket, por exemplo, aposta na informação e em parcerias com sua rede de restaurantes credenciados. Jean Castro, diretor de rede de estabelecimentos da marca, destaca que 91% dos brasileiros se preocupam com o desperdício de alimentos, segundo a pesquisa Barômetro, realizada pela empresa. “Esse dado reforça o quanto práticas sustentáveis são valorizadas — e como podem se tornar um diferencial competitivo para os estabelecimentos.”

Entre as iniciativas incentivadas estão o uso de porções com tamanhos variados, o aproveitamento total dos ingredientes e o oferecimento de embalagens para levar as sobras. A empresa também apoia projetos como o Mercado Diferente, foodtech que comercializa alimentos fora dos padrões estéticos, mas próprios para consumo. “Queremos aumentar o acesso à alimentação de qualidade e combater o desperdício”, afirma Jean.

Esse olhar mais consciente sobre o que comemos também passa por ações educativas e comunitárias. O Sesc-SP, por exemplo, trabalha o tema em suas unidades por meio de oficinas, hortas, feiras e vivências sobre agroecologia, alimentação saudável e compostagem. Já o Instituto Comida do Amanhã promove debates e projetos sobre sistemas alimentares sustentáveis, destacando que comer também é um ato político — e coletivo. O instituto participou recentemente do Festival Comida no Prato, realizado em São Paulo, que conectou agricultores, cozinheiros e consumidores com foco em alimentação responsável.

Jean Castro, diretor de Rede de Estabelecimentos da Ticket — Foto: Reprodução/Ticket
Jean Castro, diretor de Rede de Estabelecimentos da Ticket — Foto: Reprodução/Ticket

Do lado de quem faz a cidade brotar, hortas urbanas como a da Vila Anglo, na zona oeste de São Paulo, cultivam alimentos livres de agrotóxicos e ajudam a aproximar o alimento de quem vive nos centros urbanos. Em paralelo, iniciativas como a Cooperativa Faz a Feira e a Morada da Floresta recolhem resíduos orgânicos de restaurantes e condomínios para compostar, transformando o que seria lixo em adubo — e fechando o ciclo da alimentação com menos impacto.

Apesar dos avanços, os desafios ainda são muitos. Segundo Gerônimo, a cadeia da pesca artesanal enfrenta falta de estrutura, logística e incentivo. “Nem todo cliente entende o que está por trás de uma escolha mais consciente. Mas a gente insiste. Insiste em tratar bem cada ingrediente, em respeitar quem pesca, em fazer da prática uma forma de resistência.”

O futuro, para ele, depende de união — entre cozinhas, produtores, consumidores e políticas públicas. “A gastronomia sustentável ainda está começando a encontrar seu caminho no Brasil. Mas ele existe. E é delicioso.”