Investimentos em soluções baseadas na natureza (SbNs) para a água duplicam em uma década e ganham força global

Relatório mostra que aportes em ações sustentáveis para segurança hídrica ultrapassam US$ 49 bilhões
A crise hídrica é um problema global crescente, com a escassez de água afetando milhões e ameaçando a produção de alimentos e o meio ambiente. Pelas previsões da ONU, até 2050, a demanda por água doce superará a oferta em 40%. Diante disso, os investimentos em Soluções Baseadas na Natureza (SbN) para garantir a segurança hídrica têm crescido de forma acelerada.
Um novo relatório divulgado pela The Nature Conservancy e Forest Trends — “Esforços Redobrados: Panorama Global de Investimento em Soluções Baseadas na Natureza para a Segurança Hídrica (2025)” — mostra que os aportes financeiros nesse setor dobraram nos últimos 10 anos, alcançando impressionantes US$ 49 bilhões em 2023, distribuídos em mais de 880 programas de bacias hidrográficas em 140 países.
Soluções baseadas na natureza (SbNs) voltadas para segurança hídrica são estratégias que utilizam processos naturais ou ecossistemas restaurados para melhorar a disponibilidade, a qualidade e a gestão da água. Elas incluem ações como a proteção de florestas, infraestrutura verde urbana, restauração de pântanos, e conservação de rios e manguezais para mitigar enchentes, melhorar a qualidade da água e reduzir os riscos associados às mudanças climáticas. Um exemplo importante é a restauração de florestas e matas ciliares, que protege nascentes, regula o fluxo hídrico e reduz a erosão — como ocorre na recuperação da Mata Atlântica em áreas de mananciais como o Sistema Cantareira, em São Paulo.
O financiamento público continua sendo a principal fonte de investimento em soluções baseadas na natureza para a segurança hídrica, representando 97% do total global. Já o investimento privado, embora ainda proporcionalmente pequeno, demonstra crescimento significativo: aumentou 30 vezes na última década, alcançando US$ 345 milhões em 2023, impulsionado principalmente por exigências regulatórias.
“Mais importante do que o discurso é o dinheiro e, embora a proporção do financiamento privado neste setor ainda seja uma gota no oceano, a taxa de 30 vezes de crescimento sobre a década anterior, mais o impulso crescente por trás dos investimentos orientados por usuários, dão motivo para otimismo, especialmente quando o o financiamento público e a assistência estrangeira sofrem pressão em muitas partes do mundo”, avalia Daniel Shemie, Diretor Global de Resiliência de Água Doce da The Nature Conservancy.
Entre os principais destaques do relatório, observa-se que China, Estados Unidos e União Europeia lideram os investimentos em soluções baseadas na natureza para a segurança hídrica, respondendo por 94% do total global.
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A África é a região com crescimento mais acelerado, com os aportes aumentando cinco vezes entre 2013 e 2023, enquanto a Oceania também se destaca com uma elevação de 3,4 vezes no mesmo período.
No panorama regional, a China se destaca como a maior investidora mundial, com programas nacionais robustos como o Terras de Cultivo para Florestas, tendo gasto US$ 26 bilhões em 2023, mais do que o resto do mundo todo. A Europa duplicou seus investimentos, chegando a US$ 10,8 bilhões, com forte apoio do Fundo Europeu Agrícola e do Fundo de Coesão. Nos Estados Unidos e Canadá, os investimentos somaram US$ 9,5 bilhões, com a previsão de mais US$ 52 bilhões por meio de políticas futuras.
A América Latina e o Caribe apresentaram crescimento de 2,6 vezes, com aportes que atingiram US$ 389 milhões em 2023, impulsionados principalmente por fundos multilaterais. Já a Ásia (excluindo a China) investiu US$ 1,6 bilhão, com destaque para os esforços de Japão, Índia e Vietnã.
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“Pela primeira vez em uma década, temos um conjunto de dados verdadeiramente global e abrangente que mostra como e onde os investimentos na natureza relacionados à água estão crescendo e por quê”, disse Gena Gamie, Diretora da Iniciativa Global de Água da Forest Trends.
“Este relatório deixa claro que as soluções baseadas na natureza não são mais soluções secundárias. Elas estão se tornando ferramentas convencionais para o gerenciamento da água e dos riscos climáticos. Isso nos dá uma excelente oportunidade de nos concentrarmos no que está funcionando, aprender com inovações emergentes e direcionar recursos para onde eles produzem o maior impacto. Nunca foi tão urgente escalonar soluções eficazes.”
Desafios persistem
Apesar do avanço, os investimentos ainda são fragmentados e insuficientes frente à magnitude da crise hídrica. O relatório destaca que apenas 1% dos gastos do setor hídrico em infraestrutura tradicional (cinza) redirecionados para SbN superariam todo o investimento filantrópico atual em conservação.
O avanço de mecanismos inovadores, como fundos de água, conversões de dívidas e títulos verdes, tem ampliado as opções de financiamento. O relatório destaca ainda a importância de diversificar fontes de financiamento, fortalecer políticas públicas e promover lideranças locais, consolidando as SbNs como ferramentas estratégicas e convencionais na gestão da água e dos riscos climáticos.
O Brasil, também tem grande potencial no investimento em SbNs para a segurança hídrica.
“O país tem uma oportunidade estratégica para expandir esses investimentos, com as ações de revitalização de bacias hidrográficas e no saneamento básico. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), estima que ao menos R$ 500 bilhões serão investidos para universalizar o serviço de saneamento no país nos próximos 15 anos. Destinar uma pequena fração desse montante às SbNs fortaleceria e complementaria a resiliência hídrica, garantindo abastecimento de água para a população, assim como os benefícios sociais e a manutenção das atividades produtivas decorrentes desses investimentos”, destaca Samuel Barrêto, da TNC Brasil.
Caminhos para o futuro
Para acelerar o progresso, o relatório propõe cinco recomendações principais. A primeira é estabelecer modelos de financiamento resilientes e de longo prazo, garantindo previsibilidade mesmo diante de crises econômicas.
Em seguida, recomenda-se o fortalecimento das políticas públicas e do planejamento estratégico para garantir investimentos de qualidade. Também é essencial aumentar e direcionar o investimento privado com foco estratégico, ampliando seu papel catalisador.
A quarta recomendação destaca a importância de desenvolver a capacidade técnica e uma base de evidências robusta, que sustente a expansão das SbN com dados confiáveis e profissionais qualificados. Por fim, o relatório enfatiza a valorização do conhecimento local e indígena, assegurando a liderança dessas comunidades nos projetos desde o início.