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“Nossa luta não é só por território. É pela vida, até de quem não entende isso ainda”: visões e alertas de Adriano Karipuna sobre o futuro da Amazônia

“Nossa luta não é só por território. É pela vida, até de quem não entende isso ainda”: visões e alertas de Adriano Karipuna sobre o futuro da Amazônia

Liderança indígena e ativista socioambiental, que participará do TEDxAmazônia em Belém, fala sobre ameaças ao seu território, incluindo a crise do clima, e urgência de novo olhar para o mundo

“Esse ano, nós não colhemos uma amêndoa de castanha, porque não deu”, desabafa o líder indígena Adriano Karipuna, preocupado sobre as consequências dos incêndios de anos anteriores na Amazônia. “Isso reflete a queimada de 2019 e reflete a queimada do ano passado. Nunca aconteceu isso”, diz. A seca severa e as consequências do desmatamento têm impactado não só geração de renda local e subsistência, mas também a cultura do povo Karipuna.

A homologação do território Karipuna em Rondônia só ocorreu na década de 90, após várias disputas de terra e a redução da área originalmente destinada ao povo indígena. Hoje, o território homologado abrange cerca de 153 mil hectares, área que abriga nascentes de rios e lençóis freáticos que alimentam o rio Madeira e a bacia amazônica, fundamentais para o ecossistema.

Os Karipuna são um dos menores povos indígenas do Brasil, com população estimada em torno de 60 atualmente; em 2004, restavam apenas catorze sobreviventes, evidenciando o trágico histórico de contato com não-indígenas. As invasões começaram no início do século XX, durante o ciclo da borracha e a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, que trouxeram doenças e conflitos.

Passados mais de cem anos, as ameaças enfrentadas seguem em alta, embora diferentes na forma, mais iguais em conteúdo: incluem desmatamento principalmente causado por grandes empreendimentos, como hidrelétricas, que impactam diretamente o ecossistema e o modo de vida indígena, além de madeireiros, caçadores e grilagem (venda ilegal de terras públicas).

Segundo Adriano, projetos de lei que buscam autorizar mineração em terras indígenas, também intensificam invasões na região. Para agravar, a discussão sobre a tese do Marco Temporal (PL 490 e PL 14.701) criou um ambiente político favorável à redução de direitos indígenas, com até mesmo territórios reconhecidos antes de 1988 tornando-se ‘vulneráveis’, já que a legalidade das demarcações tem sido questionada.

Entre 2017 e 2022, o território Karipuna foi um dos mais afetados pelo desmatamento na Amazônia, segundo levantamentos do PRODES e do INPE. Apesar de ações de desintrusão e denúncias de invasões feitas a órgãos como o Ministério Público (“sem prisões ou responsabilização criminal”, ressalta a liderança) os invasores frequentemente retornam, evidenciando uma falta de um plano eficaz para a proteção contínua do território Karipuna.

Adriano também tem um olhar crítico quanto aos recursos do fundo da Amazônia, questionando como eles estão sendo alocados, quais projetos estão sendo implementados e quem realmente se beneficia desse investimento. “[É preciso] fazer reparação em questão da economia, reflorestar a área degradada, fazer uma política pública continuada..Eu não sou contra o dinheiro, quero saber pra quem que vai”, afirma ao Um Só Planeta.

Ele ressalta que os recursos não chegam a territórios como o Karipuna, que precisam de apoio básico, por exemplo, para reflorestamento. “O próprio Estado ainda nos trata como incapazes. Existe um racismo estrutural que impede os povos indígenas de ocuparem espaços de tomada de decisão.” Enquanto isso, degradação ambiental associada aos eventos climáticos extremos seguem afetando a floresta e o modo de vida dos povos indígenas e ribeirinhos.

Os feitos são visíveis no cotidiano das comunidades que vivem em íntima relação com a floresta. Mudanças bruscas de temperatura, estações desreguladas, escassez de alimentos e desaparecimento de espécies são apenas alguns sinais do desequilíbrio ambiental. Para Adriano, essas transformações estão diretamente ligadas à destruição da Amazônia.

A floresta é como a mãe que sustenta tudo. Quando ela cai, o céu cai com ela. A gente sente isso na pele — o calor é insuportável, a chuva não vem no tempo certo, e os bichos desaparecem.
— Adriano Karipuna, liderança indígena e ativista socioambiental.

A cosmovisão dos povos indígenas, como os Karipuna, assim como a dos Yanomami, propõe uma outra forma de habitar o mundo, baseada no respeito à vida, na escuta da natureza e na harmonia com os ciclos da Terra. Essa sabedoria ancestral é um conhecimento complexo e ecológico que pode apontar caminhos para o futuro.

“A floresta fala. A gente sabe o momento de colher, de caçar, de plantar, tudo observando a lua, os animais, os sinais do tempo. Mas quem não escuta, destrói”, afirma Adriano, enfatizando que o conhecimento indígena é também uma ciência da sustentabilidade.

Sua fala carrega a experiência de quem viveu toda a infância e juventude na aldeia, em profunda relação com a floresta. Sabe que a natureza cura corpo e espírito — “o banho no rio, o silêncio da água, os peixinhos que massageiam o corpo” — e contrapõe isso ao modo de vida urbano sufocante. “A natureza, ela também nos rejuvenesce emocionalmente. Só que os ditos civilizados estão acabando com isso.” Vivendo atualmente na cidade para cursar o ensino superior no curso de Direito, em Porto Velho, Adriano tem se dedicando a divulgar as questões indígenas dentro do ambiente institucional, o que inclui desafios de conectar os saberes indígenas com a linguagem acadêmica e mais burocrática.

Mas ele tem prática em comunicar a luta de seu povo, dada a extensa participação em palestras e fóruns pelo Brasil e fora. No próximo fim de semana, chega mais uma oportunidade de ecoar sua história. Adriano Karipuna vai participar do TEDxAmazônia em Belém com a missão de levar uma mensagem potente sobre o meio ambiente e o papel dos povos indígenas como guardiões da floresta. Com o tema “Resgates – um convite para um futuro melhor”, o evento reunirá de 7 a 8 de junho cerca de 700 participantes e mais de 30 palestrantes de diversos países da bacia amazônica, promovendo debates inspiradores sobre regeneração ambiental, justiça climática e novos caminhos para a floresta.

“Nós olhamos o macro, protegemos o amanhã”, crava, ressaltando que o futuro da Amazônia — e do planeta — passa, inevitavelmente, por reconhecer o papel central dos povos indígenas na preservação ambiental, como protagonistas na defesa da floresta e portadores de uma visão que valoriza o bem viver coletivo e o equilíbrio com a natureza. “A nossa luta não é só por território. É pela vida. Pela vida de todo mundo, até de quem não entende isso ainda”.