Mundo desperdiça € 200 bilhões por ano em materiais recicláveis

Estudo mostra oportunidades econômicas, sociais e ambientais desperdiçadas com a economia linear: cerca de R$ 1,2 trilhão anuais
Jogar dinheiro fora, junto com o lixo, é uma ideia absurda, né? Mas é exatamente isso que acontece todos os anos. São quase 200 bilhões de euros desperdiçados anualmente em materiais recicláveis que poderiam ser aproveitados, com o cobre e o plástico representando a maior fatia desse valor – 68 bilhões e 48 bilhões de euros, respectivamente.
Estes números impressionantes podem ser conferidos no estudo “Circularity’s Time Has Come“, da Boston Consulting Group (BCG) que uma série de oportunidades perdidas: implementar a circularidade poderia não só reduzir custos e volatilidade nas cadeias de abastecimento, como também criar vantagens competitivas e minimizar os impactos ambientais.

“Este estudo vai ao encontro de análises anteriores da Fundação Ellen MacArthur que demonstraram que, em 2015, a atual forma linear de produzir e utilizar produtos e recursos já custava à Europa €7,2 bilhões por ano em três setores analisados: mobilidade, alimentação e ambiente construído. Esta dimensão do desperdício demonstra a urgência e a oportunidade econômica da economia circular”, ressalta Victoria Almeida, Gerente de programa da Fundação Ellen MacArthur para a América Latina.
A pesquisa destaca que, embora a extração de matérias-primas tenha aumentado nas últimas décadas, a taxa de circularidade global diminuiu, atingindo apenas 7,2% em 2023. O relatório sugere estratégias como a garantia de fornecimento estável de materiais recicláveis, redução da fragmentação de resíduos na fonte, adoção de tecnologias inovadoras e integração da circularidade no planejamento estratégico. Segundo a BCG, essas medidas poderiam reduzir custos em até 15%.

“Esta nova pesquisa reforça que a economia circular continua sendo uma oportunidade econômica. Soma-se a isso o agravamento das crises ambientais, como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição por plástico, que também apresentam ameaças à economia que vão além da disponibilidade de recursos. Para enfrentar essas crises, a economia circular também se coloca como uma solução. Portanto, seja por oportunidade econômica, minimização de riscos, ou enfrentamento dos desafios ambientais, a economia circular segue, há décadas, sendo um modelo fundamental para ser priorizado”, afirma Victoria.
Para ela, as empresas precisam colocar a economia circular no centro das suas estratégias e desenvolver produtos e modelos de negócios que eliminem resíduos e poluição, circulem produtos e materiais, e regenerem a natureza desde o design. “Ao mesmo tempo, os governantes e legisladores precisam criar as condições favoráveis para que essa mudança aconteça rapidamente e em larga escala. Com isso, poderemos garantir prosperidade de longo prazo”, conclui.
Rio de Janeiro: R$ 766 milhões em plástico perdidos
No Brasil, algumas boas notícias têm surgido quando falamos em reciclagem e apoio à economia circular, como a criação da Lei de Incentivo à Reciclagem, a Estratégia Nacional de Economia Circular instituída pelo governo Federal e a proibição da importação de resíduos sólidos. Mas, ainda há um caminho longo pela frente.
Assim como acontece no resto do mundo, o fomento à reciclagem traria benefícios significativos ao país. Como exemplo, podemos citar um estudo da Universidade Veiga de Almeida que avaliou potencial econômico circular desperdiçado pelo não aproveitamento de resíduos plásticos no estado entre 2020 e 2024.

De 2020 a 2024, apenas o estado do Rio de Janeiro deixou de movimentar R$ 766 milhões com a venda de materiais plásticos pela falta de apoio adequado à cadeia de reciclagem desse resíduo. É o que mostra um estudo do Mestrado Profissional em Ciências do Meio Ambiente da Universidade Veiga de Almeida (UVA), a partir de dados do Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR+) e do Anuário da Reciclagem. O levantamento avaliou o potencial econômico circular desperdiçado pelo não aproveitamento de resíduos plásticos no estado.
No período, o mercado de reciclagem de plástico no Rio de Janeiro gerou pouco mais de R$ 118 milhões. O valor, no entanto, poderia chegar a R$ 884,5 milhões se houvesse apoio efetivo e essa cadeia produtiva no estado.
“A criação de fluxos econômicos mais eficientes, aliados ao fortalecimento das cooperativas de reciclagem e à integração com a indústria, tem o potencial de transformar o que hoje é visto como lixo em uma cadeia de valor sustentável”, explica Carlos Eduardo Canejo, professor do Mestrado em Ciências do Meio Ambiente da UVA e coordenador do estudo.

O reaproveitamento e a reciclagem dos resíduos plásticos no estado apresentam um potencial econômico ainda subutilizado devido às limitações estruturais e à baixa eficiência no índice de recuperação de resíduos dos 92 municípios fluminenses, segundo o levantamento.
“A transição para uma economia circular não é apenas viável, mas também uma estratégia essencial para promover desenvolvimento socioeconômico e assegurar a sustentabilidade ambiental da cadeia produtiva da reciclagem no estado”, finaliza o professor.
Em um estudo anterior, feito pela Firjan, o valor desperdiçado em recicláveis não aproveitados no estado do Rio de Janeiro, incluindo todos os materias, foi estimado em R$ 2 bilhões por ano.

Como foi feita a análise?
A análise considerou três cenários: realista, otimista e desejado. No realista, os pesquisadores da UVA se basearam no último Índice de Recuperação de Resíduos (IRR) disponível do estado do Rio de Janeiro, gerado pelo SINIR+, de apenas 0,49%. O IRR é o percentual de resíduos sólidos reutilizados, reciclados ou aproveitados energeticamente.
Desse pequeno percentual de lixo reaproveitado no Rio, 32% foram resíduos plásticos. Na segunda avaliação, foi utilizado como referência o IRR médio do Brasil em 2019, de 1,67%. Neste ano, 24% dos materiais recuperados no país eram plásticos. Já na hipótese otimista se baseou no indicador do estado com o melhor IRR em 2019, o Rio Grande do Sul, cuja taxa foi 4,35%. Do montante reciclado, 27% dos materiais recuperados foram resíduos plásticos.

O estudo estimou uma geração de cerca de 32 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos no estado do Rio de 2020 a 2024. Desse volume, 16,80% são plásticos, de acordo com o Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Estado do Rio de Janeiro (PERS/RJ). Ou seja, a projeção de resíduos plásticos gerada no Rio em cinco anos foi de cerca de 5,4 milhões de toneladas, o equivalente ao peso de 4700 estátuas do Cristo Redentor.
Segundo dados do Anuário da Reciclagem, os valores médios de venda de resíduos plásticos na Região Sudeste foram R$ 1.160/t (2020), R$ 1.960/t (2021), R$ 2.310/t (2022) e R$ 2.830/t (2023). Para 2024, a equipe da Veiga projetou o valor de venda com base na análise da curva de tendência dos anos anteriores, obtendo um preço de R$ 3.327/t.