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Derrubando a floresta para mantê-la em pé: entenda como é feito o Manejo Florestal

Derrubando a floresta para mantê-la em pé: entenda como é feito o Manejo Florestal

Para explicar a prática, a reportagem de Um Só Planeta visitou á convite do FSC, a Flona do Jamari, em Rondônia, o berço do primeiro projeto de concessão florestal do país, que completa 15 anos em 2025

Quando se pensa em proteção da floresta, a última coisa que passa pela cabeça é que derrubar árvores pode ser uma das saídas adotadas para manter a floresta em pé e ainda beneficiar a economia. Mas como isso funciona?

A floresta, como um grupo de indivíduos representados pelas árvores e outros seres vivos que habitam um ecossistema, possui ciclos de crescimento bem parecidos com os seres humanos, com nascimento, crescimento e morte.

Uma árvore, ao atingir sua maturidade, diminui a produção de sementes e muitas vezes acaba sendo consumida por cupins, o que leva à morte desse indivíduo. Esse é o ciclo natural de uma floresta saudável. E é aí que o manejo sustentável entra.

A reportagem esteve na Floresta Nacional do Jamari, em Itapuã do Oeste, a 117 quilômetros de distância por estrada de Porto Velho, capital de Rondônia, e conheceu de perto a operação realizada em uma área de exploração sustentável certificada pela FSC (Forest Stewardship Council). A Flona do Jamari, que é de responsabilidade da União, é berço do primeiro projeto de concessão florestal do país, que completa 15 anos em 2025. O período total da concessão é de 30 anos.

A área de exploração sustentável visitada pela reportagem é de responsabilidade da Madeflona, que venceu, em 2008, uma licitação para manejar em uma área de 19.134,19 hectares, denominada Unidade de Manejo Florestal (UMF), e dividida em 30 Unidades de Produção Anual (UPA). Além dessa, a empresa possui outras três concessões florestais junto ao governo federal: mais uma na Floresta Nacional do Jamari (Itapuã do Oeste) e outras duas na Floresta Nacional de Jacundá (Candeias do Jamari e Porto Velho), totalizando 137 mil hectares.

Floresta Nacional do Jamari, em Itapuã do Oeste, Rondônia: área de 19.134,19 hectares está sob os cuidados da Madeflona há 15 anos — Foto: Madeflona/FSC Brasil
Floresta Nacional do Jamari, em Itapuã do Oeste, Rondônia: área de 19.134,19 hectares está sob os cuidados da Madeflona há 15 anos — Foto: Madeflona/FSC Brasil

O trabalho na área, que envolve, entre outras atividades, a prática de manejo florestal – o corte responsável e planejado de árvores para o bem da própria fauna e flora – começou em 2010, dois anos após a concessão. Neste intervalo, o terreno foi – literalmente e figurativamente – preparado: a Madeflona trabalhou na coleta de dados, zoneamento de áreas com imagens por satélite e criação de um Inventário Florestal. É nessa fase que eles registram o Diâmetro a Altura do Peito (DAP) das árvores, que precisa estar acima de 40 centímetros (cm) para ser considerada para o corte.

Após coletar todos os dados, os técnicos da Madeflona elaboraram um Plano Operacional Anual (POA), que inclui dados de potencial exploração, possíveis danos e o mapeamento de Áreas de Preservação Permanente (APP). O documento foi, então, apresentado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). É ele o órgão que emite, ou não, a Autorização de Exploração (AUTEX).

Com a autorização em mãos, a Madeflora avançou para a etapa de execução. Nessa fase, são feitas as aberturas de estradas, pátios, construção de pontes e bueiros, a infraestrutura necessária para a prática. Feito isso, começa a derrubada de árvores.

Ao todo 36 espécies de árvores são de interesse da Madeflona, tendo a Faveira-ferro, a Tauari e a Maracatiara como destaques de exploração, por terem um volume mais robusto do que outras espécies. O volume é a medida utilizada para calcular o tamanho das árvores, pelo seu formato cilíndrico, e a medição é feita por metro cúbico e volume.

Cada árvore derrubada na pela Madeflona tem capacidade de render de duas a três toras de árvore, com cada uma delas tendo de 3 a 4 metros cúbicos (m³) de volume. Na primeira área de exploração da Flora Jamari, até 2023, foram exploradas 12 UPAS, um total de 494,75 hectares. Ao todo, 651 árvores foram colhidas. Em cada hectare, que corresponde ao tamanho de um campo de futebol, uma ou duas árvores são removidas.

As toras das árvore cortada são marcada com tinta e recebem etiqueta de identificação com numeração e código de barras — Foto: Madeflona/FSC Brasil
As toras das árvore cortada são marcada com tinta e recebem etiqueta de identificação com numeração e código de barras — Foto: Madeflona/FSC Brasil

A escolha das árvores a serem derrubadas passa por critérios qualitativos, como impacto na região, existência de riachos próximos ou até se a árvore está servindo de abrigo para animais. “Caso a equipe de corte chegue ao local e detecte, por exemplo, um ninho na árvore que seria cortada, o plano é abortado e outra árvore do inventário é escolhida para substituir”, explica Evandro Muhlbauer, engenheiro florestal e diretor da Madeflona.

Após a isso, as UPAs exploradas naquele ano não voltam a receber equipes de extração, uma vez que o ciclo para a recuperação e manejo sustentável é de, no mínimo, 30 anos.

Após a derrubada da árvore e a separação em toras é feita a identificação de cada uma delas com um código de barras, que serve como um rastreador para identificar em qual pátio ou galpão a madeira se encontra. Nesse processo, as toras são colhidas e processadas na indústria da Madeflona, localizada em Itapuã do Oeste. Outra parte é comercializada para indústrias da região, como as de móveis, construção civil, linha rodoviária/ferroviária e combustíveis.

Evandro Muhlbauer, engenheiro florestal e diretor da Madeflona — Foto: Madeflona/FSC Brasil
Evandro Muhlbauer, engenheiro florestal e diretor da Madeflona — Foto: Madeflona/FSC Brasil

Segundo Muhlbauer, toda a madeira retirada é aproveitada para a indústria. “Aqui fazemos os cortes, de acordo com o destino da madeira, as sobras são transformadas em lenha e inclusive a serragem, que é a sobra em pó residual do corte das madeiras é comercializada para caldeiras, como substituto mais sustentável do que o carvão”, explica.

Proteção extra

O processo de exploração sustentável também acaba ajudando na proteção do território. Segundo Muhlbauer, a política da concessão em si é uma política de ocupação de área. “Quando estamos desenvolvendo uma atividade, acabamos afastando a [exploração] ilegal”.

Muhlbauer ressalta que existem alguns mecanismos dentro da concessão que favorecem a ocupação e afastam possíveis invasores, como os sistemas de monitoramento e a implementação de infraestrutura de segurança. “Tanto que em nossas unidades, todas elas possuem estradas de segurança, o que garante a realização de vistorias diárias nos limites da área”.

Dessa forma, a exploração legal e o manejo sustentável, além de causar impactos positivos para a recuperação e manutenção da base florestal, ajuda a proteger o território e promove responsabilidade social.

Atividades ilegais na Amazônia estão em sua maioria envolvidas com a exploração ilegal dos recursos naturais, seja da floresta, rios ou minérios. O problema, porém, está além da extração ilegal e passa também pelo meio social. A falta de acesso a trabalho, educação, lazer e segurança acaba levando parte da população a se envolver com atividades ilegais.

“Muitas das pessoas envolvidas em atividades ilegais estão lá por necessidade de subsistência. Quando conseguimos integrá-las ao setor legal, trabalhando dentro da concessão de forma regular, isso desmotiva a prática de crimes em outras áreas. Esse processo é bem complexo, mas traz benefícios tanto sociais quanto ambientais”, ressalta Muhlbauer.

Para entender o benefício do manejo florestal, a reportagem também esteve na primeira Unidade de Produção Anual (UPA), onde foi feito o manejo florestal em 2010 e, desde então, há 15 anos, a floresta é apenas monitorada e segue seu curso natural de desenvolvimento, sem intervenções do tipo. O resultado é uma floresta bem mais densa do que a área que hoje está recebendo a prática de manejo.

O monitoramento dos animais é feito por meio de câmeras fixas em árvores que são ativadas por meio de sensores de presença e movimento. Nos últimos anos, foram registrados 303 avistamentos de 11 tipos diferentes de animais, como mutum, porco-do-mato e araras. De acordo com a Madeflona, a presença desses animais demonstra que há um equilíbrio no ecossistema.

Na área, ainda permanecem algumas estradas, utilizadas apenas pelos trabalhadores internos da companhia, e pela equipe de monitoramento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), uma vez que a Flona do Jamari não está próxima a comunidades locais, urbanas ou indígenas.

Economia

A madeira extraída pela Madeflona é utilizada principalmente na criação de móveis, na construção civil e no artesanato, tendo empresas na Holanda como principais compradores de matéria. As toras são vendidas por metro cúbico, variando de valor dependendo da espécie.

Apesar de ter clientes fiéis, a empresa foi afetada pela seca em 2024, que avançou pelos rios da Amazônia, atingindo o Rio Solimões, que banha Rondônia. É por ele que a logística da Madeflona começa, quando containers carregados de madeira sobem o rio até o Porto de Manaus, por onde são escoados.

Devido à seca deste ano, Muhlbauer conta que ficaram 120 dias sem conseguir escoar a produção. “Metade desse tempo o produto ficou parado em uma balsa encalhada por conta da seca no Rio Solimões”, disse. Devido a demora para o transporte, o cliente no exterior acabou cancelando a compra. “Agora estamos vendo onde armazenar a carga até ter uma finalidade pra ela”, diz.

diretor executivo do FSC Brasil, Elson Fernandes de Lima — Foto: Madeflona/FSC Brasil
diretor executivo do FSC Brasil, Elson Fernandes de Lima — Foto: Madeflona/FSC Brasil

Certificação FSC

Todo esse cuidado faz parte do pré-requisito para ter o certificado da FSC. A Forest Stewardship Council (FSC) é uma organização sem fins lucrativos que fornece uma ferramenta de gestão ambiental e combate ao desmatamento, que garante a qualidade e o cuidado com a floresta. A FSC funciona com um conselho que conta atualmente com 1.200 membros de mais de 80 países e possui 160 milhões de hectares de floresta em todo o mundo certificadas.

“Já superamos 300 certificações [no Brasil] e temos mais de 60.000 certificados de cadeia de custódia, abrangendo até áreas em que não atuamos diretamente. O sistema de certificação é o mais reconhecido globalmente. É um modelo comercial sólido”, ressalta o diretor executivo do FSC Brasil, Elson Fernandes de Lima.

(*) A jornalista viajou a convite da FSC Brasil.