Menos calorias, mais anos de vida?
Segredo parece estar mais na capacidade de resistir ao estresse
Estudos em diversas espécies de animais apontam uma correlação entre restrição calórica e longevidade: animais alimentados com menos calorias tendem a viver mais. A divulgação desses estudos popularizou a ideia de que fazer dieta, além de emagrecer, prolonga a vida. Mas trabalho recente, em camundongos, põe essa interpretação em xeque. Como se trata de pesquisa com animais, já começo lembrando que a transposição do resultado para humanos é problemática – mas, até aí, os estudos que lançaram a moda da restrição calórica também foram feitos em modelo animal.
Dito isso, estudos em modelos animais são excelentes pontos de partida e trazem reflexões importantes. Este, particularmente, foi bem abrangente, medindo vários parâmetros relacionados à saúde metabólica e restrição calórica, em um número grande de animais, usando camundongos geneticamente diversos, o que imita uma população humana heterogênea. Só por isso já valeria o comentário, mas o que mais chamou atenção foi o resultado: restrição calórica está sim associada a maior longevidade, mas não porque os mais magros vivem mais. Quem viveu mais, na verdade, foram os animais que não emagreceram com a dieta!
O estudo, publicado na revista Nature, avaliou 960 camundongos geneticamente diversos, todas fêmeas, divididas aleatoriamente em cinco grupos: dieta normal com comida à vontade, dieta com redução calórica de 20%, redução de 40% ou jejum intermitente de um dia ou dois dias consecutivos por semana.
O primeiro resultado que surpreendeu os cientistas foi que marcadores metabólicos associados à perda de peso, como glicemia em jejum e redução de gordura, não estavam associados à longevidade. Também notaram que alguns efeitos colaterais das dietas com restrição calórica podiam, na verdade, oferecer riscos, como um sistema imune enfraquecido, mais suscetível a infecções. Esse efeito foi mais pronunciado no grupo com restrição calórica de 40%, que apresentou diminuição de temperatura corporal e redução de massa magra.
O que mais chamou atenção, no entanto, foi o que os pesquisadores chamaram de “efeito resiliência”. Os animais que tiveram vida mais longa foram aqueles que perderam menos peso, ou recuperaram peso rapidamente após a intervenção. A mesma correlação apareceu na medição de tecido adiposo. Ou seja, viveram mais os camundongos que resistiram à perda de peso e conseguiram manter a gordura no corpo.
Os autores do estudo avaliam isto como uma reação positiva ao estresse. A dieta, neste caso, atuou como um estressor. Animais que são manipulados também costumam perder peso, por causa do estresse. Neste caso, a maior longevidade também podia ser prevista pela capacidade de manter o peso, ou seja, de apresentar maior resiliência à perda de peso provocada pelo estresse.
Mas o maior preditor de longevidade, entre todos os fatores estudados, foi a diversidade genética. Não foi encontrado nenhum marcador genético específico, sugerindo que a resposta ao estresse provocado pela restrição calórica é poligênica, causada por vários genes diferentes que podem ter, um a um, efeitos muito pequenos, mas que, coletivamente, apresentam impacto mensurável.
Moral da história, lembrando que, por enquanto, trata-se apenas de um modelo animal: fazer dieta pode restaurar saúde metabólica e melhorar parâmetros de saúde em indivíduos obesos ou com sobrepeso, mas não necessariamente vai fazer ninguém viver mais. E aqueles que têm dificuldade para perder peso podem se sentir privilegiados: parece que a capacidade de resistir à dieta e manter a gordura no corpo faz a gente viver mais. Isso, e alguma sorte na loteria genética!