Cientistas propõem criar ‘cofre’ na Lua para preservar espécies em casos de desastre
Salvaguardar a biodiversidade ameaçada da Terra preservando criogenicamente material biológico na lua, em local longe das mudanças climáticas. Essa é a proposta de um grupo de cientistas liderados pelo Smithsonian Institute, complexo de museus, educação e pesquisa dos Estados Unidos.
Em artigo publicado na quarta-feira (31) no periódico BioScience, a equipe, formada por pesquisadores do Zoológico Nacional, do Instituto de Biologia da Conservação do Smithsonian (NZCBI), do Museu Nacional do Ar e Espaço do Smithsonian, do Museu Nacional de História Natural do Smithsonian e outros, salientou que as crateras permanentemente sombreadas da lua são frias o suficiente para preservação criogênica sem a necessidade de eletricidade ou nitrogênio líquido.
“Inicialmente, um biorrepositório lunar teria como alvo as espécies mais em risco na Terra hoje, mas nosso objetivo final seria criopreservar a maioria das espécies”, disse Mary Hagedorn, criobióloga pesquisadora no NZCBI e autora principal.
A proposta se inspira no Global Seed Vault, em Svalbard, na Noruega, que contém mais de 1 milhão de variedades de sementes congeladas e funciona como um backup para a biodiversidade de culturas do mundo em caso de desastre global.
Esse cofre, que fica quase 122 metros abaixo do solo, foi projetado para ser capaz de manter a coleção de sementes congelada sem eletricidade. No entanto, em 2017, ele foi ameaçado de inundação devido ao degelo do permafrost. O caso mostrou que até mesmo um bunker subterrâneo no Ártico pode ser vulnerável às mudanças climáticas.
Diferentemente das sementes, as células animais requerem temperaturas de armazenamento muito mais baixas para preservação (-196ºC). Na Terra, a criopreservação de células animais necessita de um suprimento de nitrogênio líquido, eletricidade e equipe humana para fazer o monitoramento. Mas Hagedorn pontou que cada um desses três elementos é suscetível a interrupções que podem destruir uma coleção inteira.
Para reduzir esses ricos, os cientistas precisavam de uma maneira de manter passivamente as temperaturas de armazenamento de criopreservação. Como essas temperaturas frias não existem naturalmente na Terra, os cientistas voltaram sua atenção para a lua.
Por lá, regiões polares apresentam inúmeras crateras que nunca recebem luz solar devido à sua orientação e profundidade. Essas chamadas regiões permanentemente sombreadas podem estar a -246ºC. Para bloquear a radiação prejudicial ao DNA presente no espaço, as amostras podem ser armazenadas no subsolo ou dentro de uma estrutura com paredes grossas feitas de rochas lunares.
Mas estabelecer um biorepositório lunar não será tarefa fácil. Porém, os pesquisadores têm uma vantagem. No Instituto de Biologia Marinha do Havaí, já foram criopreservadas amostras de pele de um peixe de recife chamado gobi estrelado. As barbatanas da espécie contêm um tipo de célula da pele chamada fibroblastos, o material primário a ser armazenado no biorepositório lunar.
Segundo a equipe do Smithsonian, o próximo passo é começar uma série de testes de exposição à radiação para os fibroblastos criopreservados na Terra, para ajudar a projetar embalagens que possam entregar amostras com segurança à lua. Experimentos terão de ser realizados também na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
Se a ideia se tornar realidade, os pesquisadores imaginam o biorrepositório lunar como uma entidade pública que incluirá financiadores públicos e privados, parceiros científicos, países e representantes públicos com mecanismos de governança cooperativa semelhantes ao Banco Global de Sementes de Svalbard.