Devemos nos culpar pelo descarte inadequado de plástico no mundo?
Os problemas relacionados ao plástico não são novos e têm sido objeto de discussão em toda a sociedade há pelo menos 20 anos. O plástico faz parte de nossa rotina há quase seis décadas (65 anos), desde que se tornou o material mais produzido no mundo, conforme apontado em um estudo da USP sobre o plástico de uso único no Brasil.
Em abril, 175 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) se reuniram em Ottawa, no Canadá, para dar continuidade à quarta rodada de negociações do ‘Tratado Global Contra a Poluição Plástica’. O objetivo do encontro era a elaboração de um acordo de alcance mundial com obrigações legais até o fim de 2024. A urgência do comitê é justificada, uma vez que as Nações Unidas preveem que, caso nenhuma medida seja adotada, o atual volume de 460 milhões de toneladas de plástico por ano triplicará. E, enquanto os números se multiplicam, vemos os impactos de nossas ações culminaram em cataclismas, conforme ocorreu na catástrofe no Rio Grande do Sul.
Este passo crucial começou a ser dado apenas quando a situação atingiu um ponto crítico. Os problemas relacionados ao plástico não são novos e têm sido objeto de discussão em toda a sociedade há pelo menos 20 anos. O plástico faz parte de nossa rotina há quase seis décadas (65 anos), desde que se tornou o material mais produzido no mundo, conforme apontado em um estudo da USP sobre o plástico de uso único no Brasil.
No país, a questão da poluição plástica começou a ser incipientemente debatida no início da década de 1980, com a implementação da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). No entanto, somente em 2010, com a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), esta problemática começou a ser abordada de maneira mais abrangente, embora ainda não tenha sido completamente assimilada pela população. Parece que só começamos a enfrentar os problemas e a buscar soluções ambientais quando estes nos afetam diretamente. Veremos agora se as discussões ambientais tomarão força na agenda federal, por causa da crise no RS.
É problemático dar preferência a um resíduo rapidamente descartável e que demora pelo menos 450 anos para se decompor como este que protagoniza a temática. Essa educação ambiental é de suma importância, já que apenas 17% das cidades brasileiras possuem coleta seletiva e mais de 2,4 milhões de toneladas de plástico são descartadas irregularmente, enquanto 7,7 milhões de toneladas são destinadas aos aterros sanitários, número que representa 68% dos plásticos pós-consumo, segundo informações retiradas do estudo da USP.
O que importa – ou importava, no fim – é que a população consumisse sem se preocupar diretamente com esse fato. O freio de mão poderia ter sido puxado há alguns anos, mas era conveniente que não o fizessem. Outro ponto circunda a questão: ainda não nos preocupávamos tanto com o meio ambiente; a educação ambiental era vista, por muitos, como balela. Agora, vivemos período de tragédias, como a que ocorreu no Rio Grande do Sul. Enquanto isso, há ilhas de plástico com o dobro do tamanho do Texas que navegam à deriva pelo oceano. Este é o momento que passamos a olhar com mais atenção para esses cataclismas e a aceitar que o problema está batendo à nossa porta. Infectamos o meio ambiente e os outros animais sentiram os efeitos nocivos deste impacto. Mas as consequências também resvalam em nós, humanos. Ingerimos cerca de 120 mil partículas plásticas por ano, segundo estudo do Departamento de Biologia da Universidade de Victoria, no Canadá. Devemos agir. Essa paralisia que contagia, que nos faz consumir um delivery que descartarmos depois de 30 minutos, faz com que nos tornemos uma massa que é constantemente guiada para a outra margem do problema. Existe uma tendência a fugir do paradigma não o aplicando à nossa realidade.
Contudo, é importante destacar que há um avanço perante a questão dos resíduos plásticos de uso único, visto que 27 países proibiram de fato a sua distribuição, enquanto 127 limitaram a circulação destes produtos. São inúmeros projetos nacionais que buscam reduzir ou proibir os produtos descartáveis. Somente em 2019 foram 39. Nos municípios, 152 proibiram os canudos; 52 deles no estado de São Paulo. Estas são lutas fundamentais, mas que precisam ser acentuadas e politizadas. É preciso esclarecer quais são essas motivações, principalmente, para as novas gerações.
Portanto, é importante dar continuidade à tendência que proíbe ou dificulta ao máximo o uso de plásticos descartáveis, como canudos – inclusive o projeto de proibição de canudos feitos de polietileno (nome científico do material denominado plástico) na capital paulista, do qual fui autor -, pois ainda figuramos como o 16º país que mais polui os oceanos com esses resíduos. Devemos adotar uma postura mais rigorosa, assertiva e educacional. Enquanto grandes nações continuam nos grandes encontros, postergando a implementação de medidas drásticas e se baseando, majoritariamente, em resoluções “recomendadas” e metas, é responsabilidade dos políticos e da população, lutar e perpetuar as mudanças significativas no consumo corrente, e melhorar a relação da população com esse material para, assim, nos precavermos de situações como a que acometeu o Rio Grande do Sul.