Anchor Deezer Spotify

“É preciso considerar eventos extremos não mais como aleatórios e integrá-los na gestão das cidades”, diz cientista Suzana Kahn

“É preciso considerar eventos extremos não mais como aleatórios e integrá-los na gestão das cidades”, diz cientista Suzana Kahn

Para diretora da Coppe-UFRJ, tragédia climática que atinge Rio Grande do Sul deve servir de alerta para forma como o país está lidando com a questão, que ao seu ver está negligenciada

Vítimas fatais e pessoas desaparecidas, casas inundadas, carros flutuando pelas ruas que viraram rios e a evacuação de milhares de moradores – em quantidade superior à população de oito capitais no Brasil – se tornaram uma dura realidade no Rio Grande do Sul. De acordo com um relatório da Defesa Civil, 615 mil pessoas foram atingidas. São 538,2 mil gaúchos desalojados (em casas de amigos ou parentes) e outros 77,4 mil em abrigos. A chuva causou mais de 150 mortes, e deixou ao menos 800 pessoas feridas e uma centena de desaparecidos.

A tragédia ocorrida no Estado não foge a uma tendência que tem sido registrada ao redor do mundo: experiência traumatizantes com eventos climáticos extremos que estão se tornando cada vez mais comuns. Cientistas alertam há tempos que, à medida em que o aquecimento global aumenta e o limite de frear a alta a 2ºC, em relação aos níveis pré-industriais, até o final do século se torna uma meta difícil de alcançar, as tragédias tendem a aumentar.

Há tempos os cientistas alertam para os perigos do aumento da intensidade e frequência de eventos extremos — da estiagem, calor e seca, passando pelos incêndios florestais até as ondas de frio, inundações e enchentes destruidoras. Para Suzana Kahn, especialista em mudanças climáticas e diretora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), governantes precisam se adequar a essa nova realidade para não mais serem “pegos de surpresa”, evitando assim perdas maiores.

“Eventos extremos acabam virando rotina. E na medida em que passa a ser uma rotina, começa a entrar no planejamento do gestor das cidades ou da região. Ele começa a ter que considerar isso não mais como um evento aleatório, mas como parte da gestão da cidade. Não tem como evitar, as cidades precisam se preparar”, afirma em entrevista ao Um Só Planeta.

A repetição desses fenômenos e a comoção pública gerada impactam o imaginário social, ao ponto da prevenção ser internalizada na própria educação, observa a cientista. “Terremotos no Japão, no Chile, você desde criança sabe (que vão acontecer). Quando as crianças já têm esse aprendizado nas escolas, toca o sinal, sabe para onde é que tem que ir, o que vai fazer, a quem recorrer. Isso vai ter que ser feito”, exemplifica.

Suzana Kahn, diretora da Coppe-UFRJ. — Foto: Divulgação
Suzana Kahn, diretora da Coppe-UFRJ. — Foto: Divulgação

Pesquisas mostram que os eventos extremos podem crescer exponencialmente, muito mais rapidamente do que os atuais sistemas de governança, planejamento e infraestruturas são capazes de se adaptar. Isto levará a enormes perturbações futuras em toda o país e no mundo – com inundações, escassez de água e ondas de calor.

Agora, mais do que um protocolo de como agir nessas situações, é preciso que haja capacitação nas prefeituras e nos estados para implementar de imediato planos de ação. Porque não tem gente preparada para isso. É tudo meio que vai fazendo um pouco, meio atabalhoadamente, contando com voluntariados, etc. Não há um treinamento, uma capacitação por parte das prefeituras
— Suzana Kahn, diretora da Coppe-UFRJ

A cientista destaca que o Brasil possui o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), responsável por emitir alertas e monitorar riscos de desastres climáticos no país. “Mas ele dá os alertas, alguém tem que receber esse alerta e fazer alguma coisa, então falta uma outra ponta do Cemaden no país como um todo: precisaríamos ter uma força permanente preparada para essas catástrofes, que variam muito. São grandes enchentes, outras são desabamentos, outras são seca, incêndios, então são tipos variados, mas que precisam de atenção. Seria necessário criar grupos que saibam atender a essas emergências”, defende Suzana.

O desafio, acrescenta, não para aí. Dada a complexidade dos eventos extremos, seus efeitos reverberam em múltiplas áreas e demandam um olhar sistêmico para o enfrentamento. “Há muitas consequências advindas dessas emergências – questões de saúde, de segurança, de habitação e todo um conjunto de problemas que precisam estar sendo coordenados, precisa de liderança, de comando, e isso a gente não tá habituado, não tem”.