Baterias do futuro: do sal ao algodão, conheça novas soluções para armazenar energia
Abundante e de fácil extração, o sódio ganha espaço entre as alternativas de armazenamento de energia com menor impacto ambiental
A bateria desempenha papel fundamental na transição energética. Para que as energias renováveis ganhem escala, será preciso construir grandes sistemas de baterias, capazes de armazenar a energia gerada por fontes intermitentes, como a fotovoltaica e a eólica. Só assim será possível garantir o fornecimento estável – as interrupções trazem danos aos sistemas de transmissão – e fazer uma reserva considerável, para cobrir os períodos em que essas fontes não estarão disponíveis.
Outra questão fundamental envolve a substituição das baterias atuais, que, em sua maioria, levam em sua composição o lítio, um recurso escasso na natureza. Outros ingredientes são o cobalto e o níquel, outros metais raros que, como o lítio, geram impacto ambiental durante sua extração e processamento.
Como alternativa sustentável, a indústria tem procurado desenvolver baterias com componentes mais abundantes, como o ferro-fosfato, o sódio e o carbono. A empresa PJP Eye, em conjunto com pesquisadores da Universidade Kyushu, ambas do Japão, produz baterias de carbono a partir da queima de algodão residual da indústria têxtil. Por enquanto, as novas baterias são usadas apenas para abastecer caixas eletrônicos. Em uma próxima etapa, serão empregadas para alimentar bicicletas elétricas. O próximo passo, se tudo der certo, serão os veículos elétricos.
Enquanto isso, na New York University, pesquisadores estudam o potencial de baterias feitas com quinonas, como são chamados os pigmentos biológicos encontrados nas plantas. Nessa primeira fase, o objetivo é que sejam aplicadas a aparelhos pequenos, como medidores do nível de açúcar no sangue. O uso de resíduos orgânicos, como milho e cascas de sementes de melão, também é estudado como matéria-prima para baterias.
“A utilização de materiais mais comuns tende a diminuir muito os custos de produção”, diz Daniel Caiche, professor de pós-graduação em ESG e Sustentabilidade Corporativa da FGV. “Alguns desses materiais também podem ser mais facilmente reciclados.”
Elemento presente no sal marinho, abundante nos oceanos, o sódio tem sido a maior aposta industrial para reduzir o uso do lítio. A China impera no mercado, com 34 empresas nacionais produzindo baterias de sódio, incluindo a CATL, a maior fabricante de baterias de lítio do planeta. O estudo de baterias com novas composições químicas foi definido como uma das prioridades do atual plano quinquenal do país, que domina 80% do mercado global de baterias. Entre as empresas fora da China com destaque na produção estão Altris, na Suécia, AR4 Tech, na Índia, Faradion, no Reino Unido, e a francesa Tiamat.
No Brasil, um grupo da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Universidade Estadual de Campinas (Feec-Unicamp) desenvolve o primeiro protótipo de bateria de sódio do país. A equipe liderada pelo físico Hudson Zanin produz um protótipo com a mesma capacidade de armazenamento das baterias mais simples de lítio – aquelas que contêm ferro e fosfato e são usadas nos carros elétricos da chinesa BYD, por exemplo. “As baterias de sódio têm condições de ocupar uma fatia importante do mercado. Segundo as nossas projeções, 25% do mercado de bateria será ocupado por sódio”, diz Zanin.
Mas, afinal, por que o lítio continua imperando nas baterias, apesar de todas as vantagens do sódio e das demais baterias? “A resposta está na menor densidade e eficiência energética dessas baterias alternativas, que tendem a ser inferiores em comparação com as baterias de íon de lítio, o que pode limitar sua aplicação em certos contextos”, diz Caiche, da FGV. “Mas é possível que venham a apresentar um melhor desempenho no futuro.”
As baterias de sódio, por exemplo, são 30% menos potentes do que as de lítio. Além disso, são maiores e mais pesadas, o que limita sua aplicação a celulares, carros elétricos e satélites, por exemplo. Mas seu uso continua valendo para veículos de carga pesada, como caminhões, trens e navios, bem como nos chamados sistemas estacionários, que incluem painéis solares e turbinas eólicas.
“É um equívoco achar que a bateria de sódio vai resolver nossos problemas de armazenamento de energia”, diz Caiche, lembrando que a nova opção também precisa de pelo menos um mineral raro em sua produção: o vanádio. “A mineração sempre estará envolvida na produção das baterias. O que podemos fazer é mitigar o impacto no meio ambiente, reduzindo ao máximo o uso de minerais raros. Não existe milagre.”
Apesar de sua potencial aplicabilidade em setores importantes, a bateria de sódio enfrenta outro grande desafio em muitos países: a falta de regulamentação para o seu uso. Sem uma legislação regendo o produto e seu processo fabril, torna-se difícil investir em sua expansão. “É um risco muito alto para o investidor”, afirma Zanin, para quem a China continuará fornecendo bateria de sódio para os demais países por algum tempo. “No Brasil, pode levar até dez anos até conseguirmos uma regulamentação para o tema.”